Após o carro entrar pela escuridão soou a primeira sirene, íamos ser bombardeados a qualquer momento.
Alguns aviões passaram sob a casa mas não aconteceu nada. Outros estavam mais altos e eram tão silenciosos que nunca o perceberia se não olhasse para o céu.
Greta estava em casa e ajudava a Tia com as outras crianças, que estavam bastante tensas.
A primeira sirene parou, e o silêncio ecoava pela cidade. O som dos aviões e dos soldados pela rua haviam sumido misteriosamente.
Duas horas após o primeiro toque houve um segundo, dessa vez mais demorado e acompanhado dos gritos de desespero das pessoas nas ruas em direção aos abrigos.
Após o toque nada aconteceu, novamente o silêncio ecoava pela cidade e as pessoas voltavam para suas casas. Do sótão eu acompanhava tudo, trancado lá em cima, se o bombardeio tivesse sido naquele dia eu não estaria aqui hoje.
Mas eu estava decidido a ir embora de lá naquela noite e esperei todos dormirem, sem despedidas, sem adeus e sem choro, e na manhã seguinte todos se perguntavam onde eu estaria. E na melhor das hipóteses, bem longe. Às 2:45 da manhã eu me levantei da cama, a casa estava silenciosa e aproveitei para destrancar a porta com um grampo de emergência que guardava. Peguei minhas coisas, que se limitavam aos meus livros, umas moedas e meu casaco, os guardei na mochila e desci bem devagar para que a madeira não rangesse com meus passos.
Cheguei no primeiro andar e encarei o relógio da parede, eram 2:59 da manhã. Meu coração acelerou por um motivo que nem eu sei explicar. As portas da sala estavam meio abertas, como se alguém tivesse esquecido de trancar. Era a minha oportunidade.
Uma estranha luz vinha da sala de Annie, cujas portas também estavam abertas.
Haviam lamparinas acesas até lá e um sussurro baixo soava pelo corredor. E fui ver o que era.
Um vento frio entrava na casa pela brecha na porta, e cada vez que eu me aproximava da sala mais os sussurros aumentavam, como se alguém falasse ao meu ouvido.
Parei em frente a sala, me inclinei e olhei pela abertura da porta.
Annie falava um provérbio estranho, e havia velas por toda a parte, repetia palavras que não pareciam da minha língua e ao mesmo tempo familiares. Ela estava ajoelhada em frente de uma estátua de serpente. Quando levantou uma adaga e um cálice de ouro, repetindo as mesmas palavras.
Eu não entendia como ninguém da casa escutava aquilo.
Então ela cortou a palma de sua mão e colocou o cálice em frente à estátua. Seu sangue pingava naquele copo dourado e os ventos pela casa ficaram mais fortes, como se fosse um culto a um deus antigo. Ela recitava as mesmas palavras cada vez mais alto, então decidi me afastar. Dei um passo para trás e minha mochila esbarrou num vaso que estava sob a mesa.
Nesse momento um vento forte apagou as velas e ao mesmo tempo abriu completamente as portas da sala.
Ela imediatamente se calou e foi virando lentamente, seu corpo estava estranho mais magro, pálido, esquelético, seus cabelos estavam molhados, e sua respiração era ofegante com um leve chiado de fundo. Tudo estava escuro, conseguia a enxergar apenas pela sua silhueta sob a luz do luar.
Sua inspiração estava como o chocalho de uma cobra, ela andava em Passos longos e lentos em Minha direção. Eu recuava.
— você não deveria estar na cama? - Questionou como um sussurro
O mais bizarro é que ela parecia feliz em me ver, seu rosto ao mesmo tempo que era sombrio dava um leve sorriso. Cada vez mais ela se aproximava e eu seguia recuando. Meus olhos estavam fixos naquela silhueta palida e sombria.
Ela estava prestes a me estender a mão para mim quando escutei ao fundo o barulho de um avião chegando perto e logo as sirenes, dessa vez mais altas.
Em um momento de descuido, me virei e corri em direção a porta, mas a criatura era mais rápida que eu. Chegando a frente e agarrando meu pescoço.
Suas unhas eram como garras afiadas e rasgaram minha roupa. Confesso que além do meu casaco, ela rasgou uma parte do meu pescoço que carrega a cicatriz até hoje.
Fui erguido uns dois metros. O sangue do meu machucado escorria pelas roupas e pingava naquele antigo chão de madeira.
O ar estava se esvaindo, meu pulmão estava fraco devido há anos sendo asmático. Minha visão era turva e apenas sobrou minha audição.
A partir daí só lembro dos sons.
Os ossos das pernas e braços dela estalavam, como uma metamorfose. Ela crescia cada vez mais, e mais alto me erguia.
Era estranho imaginar que uma mulher de 1,60m pudesse levantar alguém assim tão alto.
Ao fundo, além dos ossos, ouvia vozes, ouvia passos e minha respiração.
A sirene não parava. Cada vez mais aguda e frenética.
Na rua gritos.
Na casa o silêncio.
Sentia o calor do seu hálito e o cheiro fétido da morte. Era o mesmo que senti em Martha naquele último dia que a vi.
A cada momento entrava menos ar em meus pulmões. Minha visão estava escura, e via apenas borrões.
Então a sirene parou.
O único som era o da respiração dela. Até que ouvi atrás de mim uma voz familiar.
— Sta. Annie?
Após isso veio o clarão. Seguido de um enorme estrondo.
Toda a casa foi destruída, madeira, móveis, objetos...e lembranças voaram metros acima. Junto com a destruição, senti o alívio. Meu pescoço estava livre e eu podia respirar.
Após essa sensação, fui coberto por escombros onde fiquei até o amanhecer.
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Jonh Lozert e O Herdeiro de Gólgota
Historical FictionDurante a Segunda guerra mundial, o jovem Jonh, um refugiado na Inglaterra, encontra-se totalmente desamparado após sua cidade ser destruída por um ataque aéreo. Sozinho ele se vê em um mundo dividido entre a ficção dos seus sonhos e a realidade.