Capitulo 2

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York é bonita e antiga, um lugar cheio de costumes e história. E justamente devido seu requinte, as pessoas criam grandes expectativas sobre quem você vai ser e os caminhos que vai seguir. Com base em sua criação, esperam que realize grandes feitos ou que simplesmente se contenha com um bom casamento. Esse contexto não poderia se divergir mais do que acredito, me prendendo como um pássaro na gaiola, sufocando o que parece correr em meu sangue. Deveria agradecer por ser meu último ano no colegial, mas gasto meu tempo contando os dias para poder sair desse lugar medíocre, rezando para nunca mais pisar os pés nessa cidade. A partir daí, espero passar o restante da vida livre, visitando lugares e conhecendo culturas, buscando alguma coisa, qualquer coisa, que me traga um sentimento próximo de felicidade, e finalmente me faça sentir menos vazia. É essa sensação angustiante me preenche desde que me lembro, a falta de algo que nunca tive e que sendo realista, nunca terei porque tal coisa não existe.

A luz do sol de fim de tarde encharcava as ruas e iluminava os caminhos duvidosos para se seguir, seus raios refletiam em minha pele pálida, perfeitamente em sintonia com meu desânimo habitual. Corri as mãos por meu vestido de renda púrpura, sua bainha um pouco acima de meus joelhos. Era bonito e elegante, assim como eu deveria me portar em frente de todos. Meus instintos gritavam meu desejo mais profundo, me livrar dos meus scarpin pretos e correr descalça para longe dali, meus cabelos soltos e sendo carregados ao soprar do vento, meu colar em meu pescoço se movimentando de acordo com a intensidade de minha corrida. Soltei a respiração pesadamente ao levar a mão para a lua crescente em meu colo, fechando os olhos ao lembrar do desconhecido a tocando na última noite e roçando seus dedos por minha pele quase delicadamente.

“J” ele havia dito. A pequena letra inscrita no pingente, tão pequena que me parecia impossível que o estranho tivesse notado com a luminosidade precária proporcionada pelo brilho das estrelas. Era uma herança de família tão antiga que não seria capaz de dizer a quem primeiro pertenceu ou quando, só que o usava desde sempre para todos os lados. Uma vez, quando era apenas uma criança, o retirei para o banho com receio da água causar algum dano a peça, e depois de vestida fui procura-la para colocar de volta em seu devido lugar em torno de meu pescoço. Não consegui encontra-la e meu desespero atingiu níveis alarmantes no choro por horas seguidas até reconhecer um brilho prateado familiar em minha penteadeira. A angustia foi tanta que desde então não tiro joia por nada, mesmo diante protestos de minha mãe, defendendo a moda e combinação entre acessórios. A presença da pequena lua garantia uma segurança inexplicável e de um modo estranho me parecia a única ligação entre aquilo que sou e o que desesperadamente busco, seja o que for.

Afrouxei o aperto de minha mão e fiz o melhor para desviar meus pensamentos, que de uma forma ou de outra acabam sempre voltando para duas alucinantes órbitas verdes que parecem me chamar a cada segundo dentro de minha cabeça, de uma forma irracional. Em uma batalha interna com meu subconsciente, não meço esforços para garantir minha concentração no evento a seguir mas não posso dizer que obtenho excito completo.

Enquanto meu pai estaciona, desço do carro, encarando um prédio rosado e bem cuidado, os dizeres em branco em uma placa de madeira ao lado, anunciando Yorkshire White Club, tão deprimentes como sempre achei. Passo pelos arbustos recheados de pequenas flores e em uma rápida caminhada pelo pátio cumprimento algumas pessoas com sorrisos simpáticos, mentalmente agradecendo por ter capacidade de fingir que gosto de uma porção delas. Meus olhos passaram vagarosamente analisando o lugar a procura de alguém com menos de trinta anos, mas não obtenho sucesso. Assim sendo, vou até o balcão pedir um drink mas logo desisto com a percepção que aparentemente vários convidados tiveram a mesma ideia, julgando pelo tamanho da fila e desordem.

O fim rotulado da festa era caridade porém seu maior objetivo era a autopromoção da elite da cidade, desfilando superior em seus respectivos vestidos de grife e ternos caros. Eventos desse tipo não me agradam muito, as vezes são divertidos e proporcionam um ou dois copos de uma boa bebida mas geralmente, extremamente cansativos, mas não passam disso. De qualquer modo, não tenho muita escapatória, visto que minha mãe é a organizadora de grandes festas, presidente do comitê cultural.

Me dirijo a varanda, tentando tirar a música clássica de meus ouvidos. Não consigo dizer se alguém realmente gosta de tê-la estourando seus tímpanos ou fingem devido ao status que carrega. Dentro do espaço, distraída, acabei esbarrando em alguém e o resultado foram alguns xingamentos baixos, de ambos.

- Me desculpe, não tive a intenção. – Comecei a dizer, tentando recuperar a compostura, quando meus olhos se levantaram da bagunça para encarar minha vítima. Era ele. Sua íris cintilavam, um brilho de alguma coisa que não pude identificar. Desafio? Raiva? Não. Talvez reconhecimento? A julgar pelo seu estado de torpor da última noite, duvido muito que se lembrasse do próprio nome, então me parecia improvável. Seus cabelos bagunçados e um sorriso nos lábios me fizeram desviar a atenção da cena atrás de mim, interrompida por minha chegada.

Paro alguns segundos, imobilizada pelo que encontro. Sob a luz do alvorecer, seus músculos por baixo do terno preto eram ressaltados, e mesmo com toda a surpresa da situação, de alguma forma completamente reconhecíveis. Uma de suas mãos segurava um copo com o que me parecia ser whisky e a outra agarrava a cintura de uma ruiva com delineadas curvas, a prendendo em seu aperto. De uma forma ou de outra, me senti uma tola por ter pensado nele durante todo o dia e mais internamente, se desse ouvidos, poderia ouvir uma voz chorando em meu subconsciente. Passou rapidamente mas foi tão forte o bastante para me sentir completamente fora de lugar e constrangida.

- Desculpe. – Concluo, mais firme depois de respirar fundo para recuperar o folego.

Ele começaria a dizer alguma coisa caso não fosse interrompido por uma voz estridente ao nosso lado.

- Cecily! Como é bom vê-la, querida. – Uma senhora rechonchuda disse ao meu lado, levando uma de suas mãos ao terno preto e impecável do ainda desconhecido possuidor de olhos como duas pedras preciosas. Estava tão aturdida que mal pude ouvir o barulho de seus saltos finos. – Vejo que já conheceu meu sobrinho, Harry Styles. Harry, está é Cecily Elliott.

A senhora Maryse fazia parte da alta elite inglesa, alguns até mesmo falavam que tinha algum primo distante na corte da rainha Elizabeth. Participava de todos os eventos de gala, sempre elegante em seus vestidos desenhados sob medida. Viúva e sem muitos passatempos constantemente nos faz visitas, mas aparentemente estava errada no que desrespeito a sua ausência de família.

Assim, ao ouvir o nome dele saindo de sua boca, inconscientemente levei minha mão até meu pingente, a pequena Lua agora quente sobre minha palma, que de alguma forma era capaz de me trazer conforto por algo que nem imaginava. Os olhos dele seguiram os meus e soltei imediatamente o cordão, fazendo o que podia para me recompor. Lentamente ia ficando cada vez mais tonta.

- É um prazer conhece-la, Srta. Elliott.

Seu sorriso se abriu e tive, pela segunda vez, a visão de seus lábios carnudos rosados desenhados em volta dos dentes brancos e brilhantes que praticamente imploravam para ser tocados. Com certeza eu deveria estar perdendo a razão, ou possivelmente estava mais lúcida do que nunca ao julgar pela aparência do outro. Mas ainda sim, era mais do que isso.

Ele se aproximou de meu corpo bastante educado, para apertar minha mão, em um sinal de respeito em frente a tia, porém quando estava perto o suficiente sussurrou cinco palavras que poderiam mudar tudo ou nada, mas no agora arrepiaram minha nuca.

- O prazer virá depois, Cecy.

 Foi assim que meu corpo tremeu, e poderia jurar que a mesma sensação passou pelo corpo dele. Em meu caso não pela frase em si só mas pela onda de dor de cabeça que inundou minha mente, como um forte baque de alguma coisa caindo. Vozes fracas sussurravam em minha cabeça, palavras que não reconhecia e nem queria. Uma voz familiar, que parecia tão real a ponto de pertencer a alguém perto disse uma palavra simples e forte. Tão vaga e ao mesmo tempo cheia com mil significados que não compreendia. “Chegou.”

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