III

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Era o penúltimo dia. Levantei-me e lavei-me. A água a passar pelo meu rosto era como se eu estivesse ainda a sonhar e a sua gélida temperatura me acordasse para a realidade.

Ajeitei o meu cabelo, olhei-me ao espelho, encarei o meu reflexo, respirei fundo e saí da casa de banho. Vesti a primeia blusa e calças que me apareceram à frente, peguei num casaco de malha que se encontrava numa cadeira, em cima de uma pilha de roupa, e calcei as minhas habituais botas.

A escola estava mais vazia que nunca, nem percebi bem o porquê. Normalmente, quando chego está toda a gente concentrada na sala de alunos, hoje está quase vazia. Devo ter vindo cedo de mais.

Antes de subir as escadas para ir para a sala onde ia ter aula, a Cindy foi ter comigo e disse-me que já tinha ido falar com o diretor e a minha matrícula já estava anulada, não era preciso ir às aulas. Mas eu dirigi-me na mesma para perto da sala, nem que fosse só para me despedir da Bia, visto que amanhã, o último dia que ia cá ficar, era sábado.

E assim foi. Despedi-me da Bia e fui com a Cindy para casa, visto que ambas já não estávamos incritas naquela escola. Sinceramente, senti um alívio por nunca mais ter de ver certas pessoas, mas por outro lado senti-me mal por ter de deixar a Bia para trás.

Passei o sábado todo a arrumar as minhas coisas. No dia seguinte, tinha de acordar às 5 da manhã. Custou-me adormecer. Sentia que tudo estava a ser demasiado repentino, nem tempo tive de me despedir da minha única amiga e amanhã a esta hora já estaria num país completamente diferente. Demasiado repentino. Depois de muitas voltas pela cama, consegui adormecer.

Era hoje. As minhas mãos estavam geladas. O meu corpo tremia de frio e de ansiedade. O meu pai despediu-se de nós. Admito, custou-me. Nunca pensei que pudesse voltar a sentir que o meu pai era o meu pai, porque era o que ele estava a fazer. Estava a agir como un pai. Talvez ele nunca tivesse sido como eu pensei. Agora que vejo bem, arrependo-me de não ter passado melhores momentos com ele. Mas a vida também é feito disso mesmo. Arrependimentos. Agora só tinha de seguir em frente e começar de novo.

Estava na hora. A Cindy e eu entrámos no avião e instalámo-nos nos nossos respetivos lugares. Atrás de nós, estava um casal. Demasiado apaixonado para o meu gosto, ew. À minha frente estava uma senhora de meia idade e ao seu lado uma rapariga jovem de origem paquistanesa talvez, que admirava a vista da minúscula janela.

Dormi durante toda a viagem.

Assim que chegámos ao aeroporto, estava lá a minha tia. Fui a correr para ela dando-lhe um enorme abraço.

- Chloe! Cindy! Há tanto tempo! - disse ela pronta para receber também a Cindy nos seus braços. - Venham! Vamos para casa, ou querem antes visitar as redondezas?

Eu e a Cindy olhámos uma para a outra.

- Vamos para casa, tia. - disse a Cindy mostrando algum cansaço.

Era exatamente como eu me lembrava: um grande caminho, que ia dar a uma grande casa pintada de branco, com uma entrada coberta de plantas aéreas, e um pequeno jardim florido, ainda que abandonado. Ao entrar, senti-me em casa. O cheiro às habituais bolachinhas acabadas de fazer da avó, os móveis antigos, mas intactos, conservando uma imensidão de história dentro de si, e lá estava ela. A avó Elisabeth. Mais jovem que nunca. Cumprimentei-a. A Cindy chegou a seguir com as malas, juntamente com a tia Judith. Ajudei-as. Levámo-las para os nossos quartos e começámos a arrumar tudo. Eram por volta das 15:15 e já tínhamos tudo arrumado, prontas para recomeçar uma nova etapa, afinal de contas era ali que íamos morar nos próximos anos.

- Bem.. Ficas aí, ou vens comigo? - disse a Cindy mostrando-me as chaves de um carro.

- Onde?

- Visitar a cidade.

Levantei-me e segui-a até à garagem.

- Mas vamos em que carro?

- A tia disse-me que enquanto cá estivessemos, ele era todo meu. - disse ela abrindo a porta de um velho, porém bem conservado carro.

- Agora vamos até ao centro e depois vamos ver o resto das coisas, pode ser? - perguntou a Cindy ligando o carro.

Abanei a cabeça, dizendo que sim.

Ao chegarmos, reparei que nada era como antes. Tudo estava mudado. No centro da cidade, antes só havia um pequeno quiosque e ao lado um parque, hoje em dia está cheio de lojas e multidões de gente.

- Por aquela rua, vai ser a nossa escola. - disse ela apontando.

Por momentos, senti um frio a percorrer o meu estômago. E se eu não estiver reaomente preparada? E se for igual à outra escola? E se as pessoas continuarem a gozar comigo?

Estes pensamentos foram interrompidos pela minha irmã.

- Chloe? Vamos já para casa?

- É melhor. Amanhã já temos aulas. - disse eu.

Por momentos, o carro tornou-se num lugar religioso. Nenhuma de nós falava.

- Cindy..? - disse eu um pouco baixo.

- Diz.

- E.. Se eu não estiver preparada..? Como vai ser? É tudo diferente.. Está a ser uma mudança demasiado rápida. Sinto que vou demorar a habituar-me.. - disse eu quase a chorar.

- Princesa? A tia já esteve a falar com a diretora e ela disse que se nós precisássemos de tempo para nos adaptarmos, estávamos à vontade, por isso se não quiseres ir logo, podemos ir dois ou três dias depois, não te preocupes.

Assenti com a cabeça. Já estava menos stressada.

Chegámos a casa. Já era de noite e o jantar já estava na mesa. Comemos e fomos ambas para o meu quarto. Estivemos a falar e ambas concordámos em amanhã fazer uma visita à escola e fazer uma espécie de assistência às aulas. Nada de livros nem cadernos. Apenas assistir, só para nos irmos adaptando. O dia de amanhã seria longo, demasiado longo.

Some Things Never ChangeOnde histórias criam vida. Descubra agora