Sempre a mesma rotina. Entrei na escola, todos me insultavam à medida que eu ia passando no corredor, era sempre o alvo. "És feia!" - diziam uns. "Se eu tivesse a tua cara, tinha vergonha de sair à rua!" - diziam outros. Sempre o mesmo. Já estava habituada. Dirigi-me ao meu cacifo, para colocar alguns livros e cadernos e, assim que o abri, caiu uma folha que dizia "Ainda estás viva? Devias morrer". Ao ler aquilo, vieram-me lágrimas aos olhos. Fechei bruscamente o cacifo, e fui a correr para a casa de banho do 1º andar. Estava livre, ainda bem. Entrei. Sem meias medidas, peguei na lâmina e fiz um corte profundo no meu pulso direito. À medida que o sangue ia escorrendo, eu ia limpando com lenços que entretanto tirei da mochila. Ouvi alguém entrar. Puxei a manga para baixo, e sequei as lágrimas o mais rápido possível. Era a Bia, uma e acho que a única amiga que tenho.
- Chloe? Assim que cheguei, vi-te a correr para a casa de banho. Está tudo bem? - disse Bia preocupada.
- Sim, está. - respondi, aguentando o choro.
Sequei as lágrimas mais uma vez e verifiquei se o corte não se notava. Abri a porta.
- Estiveste a chorar?
- Não. São só alergias. Nesta altura da Primavera, já sabes como é.
*A campainha toca*
- Vamos? - perguntou Bia.
- Podes ir andando, já vou.
- Tens a certeza? É Matemática, já sabes como é o professor..
- Não te preocupes, eu não chego atrasada.
- Okay. Até já.
- Até já.
Assim que a Bia saiu, reparei que o corte tinha sido de tal maneira profundo que o sangue estava a sair para a minha camisola. Limpei de modo que não se notasse e fui para a aula.
Quando as aulas terminaram, não estava quase ninguém na escola, pois a minha turma era a única que na segunda tinha aulas até às 18:30.
Estava a escurecer, mas tinha de ir a pé para casa. Demorava sensivelmente 10 minutos. Comecei a andar rápido para evitar cruzar-me com quem quer que fosse. Peguei no meu telemóvel, liguei os fones e coloquei a playlist no modo aleatório. À medida que ia andando, senti que alguém estava a aproximar-se cada vez mais de mim. Não liguei, pois podia ser só impressão minha. Como estava a ficar cada vez mais escuro, apressei o passo. Quando ia virar, ouvi alguém a chamar por mim.
- Chloe!
Ugh. Era o Noah. Mas será que ele ainda não percebeu que eu o odeio, e que a única coisa que temos em comum é o pai? Aumentei o volume da música, e continuei a andar como se não o tivesse ouvido.
- Chloe. - Ouvi outra vez. Mas desta vez era uma voz feminina. Olhei para trás e era a Cindy.
- Chloe! Porque é que não me ligaste? Eu vinha-te buscar. - disse a Cindy, meio que correndo na minha direção.
- Claro. Tu e mais ele. E para além disso, hoje apetecia-me vir sozinha.
- Vá miúda, entra. - disse Noah, apontando para o carro.
Olhei-o fixamente com ar de desprezo e virei as costas.
- Chloe, deixa-te de coisas e entra. - obrigou-me a Cindy.
Entrei para o carro juntamente com eles os dois. Nem percebi o porquê de eles estarem juntos, mas okay. O silêncio invadiu o carro por um longo período de tempo. Ninguém falava. Até que a Cindy fez-me um pergunta.
- Chloe? O que é que se passou hoje contigo? A Bia contou-me.
- Chegámos. - interrompeu o Noah.
- Ainda bem, não aguentava nem mais um segundo neste carro. - murmurei eu.
A Cindy despediu-se do Noah e eu fui logo para casa. Entrei para o meu quarto e fechei a porta. Comecei a pensar no que me acontecera. Lágrimas escorriam-me pela cara.
- Chloe, está tudo bem? - dissera o meu pai batendo à porta.
Parecia preocupado, o que era de espantar, pois ele nunca se preocupou comigo.
- Sim. - disse eu, engolindo o choro.
Ouvi os passos dele a afastarem-se. Passados alguns minutos, ouvi a Cindy e o meu pai a falarem sobre algo, mas não percebi o quê. Passos aproximavam-se da porta do meu quarto. Era agora a minha irmã.
- Chloe, abre a porta.
Sequei rapidamente as lágrimas de maneira a que não se percebesse que eu tinha estado a chorar. Fui até à porta, coloquei um sorriso no rosto, e abri-a.
- Diz.
A Cindy sentou-se na minha cama com um ar de quem me ia dar más notícias.
- Como tu sabes, a nossa vida não está muito fácil, o pai teve de pagar os nossos estudos. Uma só pessoa a trabalhar não consegue sustentar 3 pessoas, e o dinheiro não chega. Então eu e o pai estivemos a falar e...
- Não! Não vou para Londres, Cindy. Sabes bem que não gosto de estar lá. Sabes que me faz lembrar a morte da mãe, a pessoa mais importante da minha vida! - interrompi eu, com lágrimas nos olhos.
A Cindy olhou para o chão e aguentou as lágrimas.
- Eu sei. Para mim também é bastante difícil. E para além disso, eu vou contigo. Vamos para a casa da avó, viver com a ela e a tia. Eu sei que custa abandonar todos os teus amigos, eu sei. Mas tem de ser.
- Amigos...? Que amigos? - disse eu a chorar.
O ambiente ficou tenso.
- Eu não tenho amigos. Todos me odeiam, ninguém me respeita. - continuei eu.
- Como assim "todos te odeiam"? - disse a Cindy levantando o meu rosto e olhando-me nos olhos.
- Todos os dias, sempre que chego à escola, sou gozada, humilhada. - disse eu mostrando-lhe o papel que caíra esta manhã do meu cacifo.
Os meus olhos iam ficando cada vez mais inundados em lágrimas, à medida que a Cindy ia lendo o papel.
- Mas porque é que nunca me contaste nada?
- O que é que querias que eu dissesse? "Todos gozam comigo, por ser feia, inútil, e já deveria estar morta"? - disse eu a chorar, com a voz rasgada de raiva.
- Princesa.. Lamento ter deixado as coisas chegarem a este ponto. Eu é que devia ter percebido logo, que raio de irmã sou eu? - disse a Cindy, com lágrimas nos olhos.
- A culpa não foi tua. Foi minha. Tudo começou com um simples "és feia", seguidos deste vieram muitos mais. Eu é que deveria ter feito algo, não tu..
- Então.. foi por isso é que foste de manhã à casa de banho sozinha?
Silêncio, era só o que se ouvia naquele quarto.
- Foi. Mas foi mais por isto. - disse eu levantando a manga e mostrando o pulso onde me cortara.
- Chloe! Porque fizeste isso? Só lhes estás a dar aquilo que eles querem!
- Tu não percebes. Foram muitos anos disto. O que querias que eu fizesse? Que fingisse todos os dias um falso sorriso? Estou farta.
- Princesa? Eu percebo-te, acredita. Agora, não chores mais. Pensa pelo lado positivo.
- Lado positivo? Na minha vida só há lados negativos.
A Cindy envolveu-me num abraço profundo.
- Promete à mana que nunca mais vais fazer isso na tua vida. Promete! Sabes que não há mais ninguém no mundo que eu adore tanto como eu te adoro.
Estas palavras deixaram-me com um sorriso na cara.
- Vês? é sorrisos desses que eu quero. - disse Cindy sorrindo de volta.
O meu pai entrou no quatro. A Cindy deixou de me abraçar, deu-me um beijo na testa e foi para a sala. Por alguma razão, senti que ela queria deixar-me a sós com o meu pai.