Yuiitsumuhi

Reunião de família

Irrompemos em um belíssimo piso de mármore travertino. Com as mãos espalmadas na pedra bege e polida observei seus veios e sulcos, enquanto tentava me situar. Logo, uma mão me puxou pelo antebraço e, como não ofereci resistência, fui colocada de pé. 

Aturdida percebi que fora o desconhecido que nos trouxera até ali quem me erguera. Instintivamente procurei por Marek e aliviada o encontrei do outro lado da cópia adolescente do Jack White diante de mim. Virei-me na direção em que Marek olhava fixamente e reconheci prontamente as feições do homem de meia idade que nos observava da outra ponta do grande ambiente requintado em que estávamos.

Aquele rosto era idêntico ao do meu pai, mas seu porte era mais atlético e ele inclusive aparentava ser mais alto devido ao terno azul marinho de corte italiano que trajava.  Além disso, eu nunca vira o meu pai com roupas tão formais e nem conseguiria imaginá-lo com uma gravata pomposa de listras transversais roxas e vermelhas como aquela.

– Sofia! Finalmente nos encontramos. – disse a versão sofisticada do meu pai – Marek, quanto tempo! – completou ele sentado na beirada de uma imponente mesa de escritório de madeira maciça, que eu arriscaria ser mogno, com as pernas esticadas e cruzadas em uma pose clássica de fotos de ‘Executivo do Ano’ de revistas de negócios. – Venham, cheguem mais perto.

Olhei de relance para Marek e junto com ele dei alguns passos tímidos à frente. O adolescente pálido nos acompanhou, aparentemente para garantir que não nos aproximássemos um do outro.

– Marek, você sabia que os seus dispositivos intracranianos possuem uma funcionalidade que permite que qualquer membro do Conselho possa controla-los através de gestos manuais? – perguntou meu pseudo-pai erguendo sua mão esquerda com a palma voltada para frente. 

Meu guardião franziu a testa e contraiu os músculos do rosto e dos ombros, mas não disse nada. Logo sua respiração se tornou mais pesada e audível. Era visível que ele fazia um grande esforço, contudo permanecia imóvel, praticamente congelado.

– Ela é acionada por um controle de voz e depende do reconhecimento do timbre de um dos membros do Conselho. Assim sendo quando for dito o seu nome, sensores de interação traduzirão os movimentos da mão esquerda do interlocutor em comandos digitais para o seu dispositivo. – continuou meu pseudo-pai e em seguida dobrou seu pulso virando sua palma ainda aberta para o chão.

Marek tombou sobre seus joelhos e bufou ruidosamente. Ele me avistou de soslaio, provavelmente realizando o único movimento que podia no momento, e eu interpretei a urgência em seu semblante como um aviso: ‘Fuja, agora!’.  Mas eu não sairia dali sem ele, precisava alcança-lo de algum modo, por mais que a versão adolescente do Jack White continuasse a estrategicamente atravancar a minha passagem.

– Não se preocupe, Sofia. Não pretendo subjuga-la usando seu dispositivo, muito pelo contrário. Desejo libertá-la para que você alcance todo o seu potencial, assim como o seu irmão. – declarou meu pseudo-pai apontando com a mão direita para a versão adolescente do Jack White – Esqueci de apresenta-los devidamente, este é Victor.

Fitei meu suposto irmão e este me lançou de volta um olhar nada amistoso. Então me virei novamente para o meu pseudo-pai, decidida a fazê-lo falar um pouco mais enquanto eu aguardava o jovem Victor se distrair – que tipo de adolescente era esse que até o momento não olhara o celular nenhuma vez – para que eu pudesse agarrar o Marek e sumir dali.

– Então, se ele também é um Yuitutsi, quer dizer que isso é algo hereditário?

– Ele é um Yuiitsumuhi, mas ao contrário de você, ele foi criado artificialmente. E não, não se trata de uma condição hereditária, apesar de ser uma anomalia genética, ela não é repassada para as gerações seguintes. Depois do seu nascimento, eu coloquei os melhores cientistas para desvendar o que fazia de você o que você é. Levou alguns anos, mas eles descobriram o segredo em amostras do seu DNA: uma sequência de mutações em cada um dos seus vinte e três pares de cromossomos e que ocorreu após a concepção de modo que a probabilidade de que isso ocorresse de modo simultâneo em mais de um universo seria praticamente nula.