Tomo I - Retalhos dispersos

5 1 0
                                    

Sete da manhã, Renata acorda e vê que seu marido não esta mais a seu lado, algo bem difícil de acontecer visto que ela é o "despertador" dele. Se enrola no roupão e vai até a sala. Vê que ele esta sentado no sofá aparentando estar muito ansioso. Eles se olham, não dizem nenhuma palavra, ela enruga a testa, ele suspira.

- O que aconteceu Emanuel? Ela pergunta colocando as mãos na cintura e virando o rosto para o lado esquerdo. Coisas que ela faz quando fica nervosa.

Ele não diz nada. Ela continua.

- O que te fez perder o sono?

Quando ele ia responder ou, ela fazer outra pergunta, o telefone toca fazendo com que ele se assuste. Ela fica também assustada com a reação do marido, mas espera que ele atenda, que tome alguma atitude. O telefone toca.

Emanuel sabia quem estava ligando, mas com medo de saber os motivos da ligação e da suposta visita, não atende prontamente, espera, fica com tantos pensamentos que não consegue pensar em nada. Vêem a sua mente, um filme de tudo o que passou nos anos em que a Andorinha ainda voava, como era dito entre o grupo. No quinto toque do telefone, Renata vai em direção a sua direção, fazendo, por puro reflexo, ele atender o telefone.

- Alô.

- Pensei que não iria me atender - dessa vez Emanuel reconhece a voz de seu antigo amigo, e esboça uma risada, forçada e sem graça.

- Me faz um favor amigo, pode abrir a porta, estou em frente a teu prédio.

Emanuel coloca o telefone no gancho, e sem responder as tantas e tão rápidas perguntas de sua esposa, vai até a cozinha, aperta no interfone. Atravessa a sala, abre a porta e espera, ainda sem responder e sem conseguir olhar para Renata. Ela então, apenas espera para ver quem esta subindo.

Ela se espanta ao ver Ramiro chegando, depois de tantos anos sem vê-lo. Entra sem muitos comprimentos, vestido com traje elegante e social, com uma pasta marrom com alça sob o ombro esquerdo tendo pendurado nela, o crachá do XXIV Congresso Internacional de Psiquiatria, estando ainda de óculos escuro. Percebe-se que ele estava muito abatido, triste. Emanuel faz um sinal para que ele sente, depois de um tímido abraço, pede que Renata prepare um café. Ao se sentar, deixando a mochila ao lado do sofá, tira os óculos e o coloca na pasta. Respira fundo.

- O meu com três gotas de adoçante, por favor – Diz Ramiro enquanto tira os óculos que lhe cobriam os olhos vermelhos de tanto chorar.

Vendo seu velho amigo neste estado, Emanuel passa as mãos pela cabeça, quase inteiramente desprovida de cabelo, senta ao seu lado. Olham-se profundamente.

- Afinal, o que aconteceu Ramiro?

- Um dos nossos – faz uma pausa para limpar o nariz com um lenço, olha Emanuel no fundo dos olhos -, o Vicente foi preso em Londres e chegou nesta madrugada em Porto Alegre. Talvez apareça alguma coisa no jornal de hoje. Temos que ir ver ele, não podemos deixá-lo sozinho.

Ficam alguns segundos em silêncio.

- Mas como? Como tu soube disso? E os outros, já sabem?

Ramiro não contem as lágrimas.

- Ele foi preso em Londres, mas como a policia encontrou ele eu ainda não sei – baixa o tom de voz – talvez nós também estejamos em perigo.

Limpa mais uma vez o nariz e continua. Só não consegui falar com o Gustavo por que ele esta morando nos Estados Unidos, os demais ainda moram em Porto Alegre. Na verdade, eu vim aqui para te levar para Porto Alegre, a Andorinha precisa ajudar um dos seus. Fizemos este trato quando resolvemos nos separar. Não se esqueceu disso, não é?

Chovia torrencialmente.

- Mas não podemos nos separar desse jeito, apaixonados todos estamos, mas isto parte de um bem maior. Ajudamos outras pessoas assim.

- Mas arriscamos nossas vidas e a de outras pessoas também – fala Ramiro, interrompendo Guilherme. Sei que fizemos muitas coisas juntos, e espero que todos tenham boas recordações disto, mas – olha para todos seus amigos sentados na mesa – minhas filhas estão crescendo e querem um pai do lado delas. E quero ser este pai.

Todo o grupo estava reunido, discutindo sobre os rumos de suas vidas. Estavam no bar do Manoel, um antigo amigo do grupo.

- Pessoal, quero dizer uma coisa. Diz Vicente interrompendo alguns instantes de silêncio. Eu gosto muito de todos vocês, mas acho que chegou a hora de aposentar a Andorinha, chegou a hora de nos desligarmos destas atitudes que fazem com que nossas vidas corram risco. Nos conhecemos desde criança, somos bons amigos, mas temos planos diferentes de vida. Já não somos mais tão novos, vamos curtir nossas famílias.

Gustavo se levanta com seu copo na mão e fala, propondo um brinde.

- Por mais que cada um tome um caminho diferente, eu juro que aquele irmão que precisar de mim, lá eu estarei. Nos separando ou não, é isto que quero ouvir de todos vocês. Um brinde a Andorinha.

Todos se levantam e em coro respondem.

- UM BRINDE A ANDORINHA.

- Se lembra daquele dia Emanuel? Pergunta Ramiro assustado com a sua reação.

- Claro que sim, não tenho como esquecer. Mas é que...

- Mas o que? Eu sei que tu deves ter muitos compromissos, assim como eu, mas poderia ser com qualquer um de nós, e também iríamos querer nossos amigos por perto. E pode ter certeza que se fosse tu no lugar dele – novamente baixando o tom de voz – ele voltaria de Londres para te ajudar. Disso eu tenho certeza.

A Andorinha de ManoelOnde histórias criam vida. Descubra agora