Tomo I - Retalhos dispersos

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Saindo do aeroporto, escoltado por outras duas viaturas e seguido por repórteres de rádio e televisão, no carro com Paulo e outro policial ao volante, olhando pela janela as ruas de Porto Alegre dá um breve suspiro, como se estivesse relembrando de tempos atrás. Paulo, com ouvidos atentos, resmunga alguma coisa que, por incrível que pareça, o outro policial entendeu e, logo após, pergunta ao ocupante do banco de trás.

- Isso tudo é saudade de Porto Alegre é? Até onde estou sabendo, faz uns dez anos que tu foi embora?

Silêncio. Um suspiro mais profundo vindo do banco de trás. Paulo nem ao menos se vira ou olha pelo espelho retrovisor.

- Vou te dizer uma coisa – faz uma pequena pausa, e continua –, na verdade são duas coisas – faz outra pequena pausa - Colarinho Azul, resmunga algo que faz o outro policial dar uma pequena risada e prossegue. Em primeiro lugar sempre achei esse teu codinome ridículo, até mesmo mais ridículo do que aquele cara que se vestia de noiva. Isso é algo que eu quero muito saber, dá uma pequena risada irônica, me diz um motivo para aquelas fantasias ri-dí-cu-las que vocês usavam. Abre um pouco a janela e acende um cigarro. Entre as tragadas, algumas tossidas, agora olhando pelo retrovisor, continua. Em segundo lugar, presta bem atenção no que eu vou te dizer – se ajeita no banco, dá uma de suas tossidas pulmonares e continua – quem tem prendeu não foi aquele branquelo do Brandt entendeu? Quem te prendeu foi eu Colarinho Azul, o Delegado Paulo, o maior caçador da Andorinha, isso sim. Outra coisa, muito importante meu caro...

- Então são trrrês coisas delegado, e não duas – interrompe Madureira.

- Madureira, esse teu sotaque – esfrega o rosto com as mãos – e muito obrigado pela observação – respira fundo rapidamente – realmente ela foi muito importante para nossa conversa – balança a cabeça afirmativamente – muito obrigado – fica em silêncio por dois rápidos segundos, olha para o motorista. E tu vai me deixar falar agora Madureira?

- Oh delegado, fica trrranquilo, não vou mais te interrrrrromperrrr.

- Ufa, olha, juro que um dia em consigo, eu acredito nisso – esfrega o rosto novamente. Então, o que eu estava dizendo? – pergunta para si mesmo. Ah, sim, a – olha para o Madureira – terceira coisa então que tenho para dizer é o seguinte – coça a garganta - mesmo que saiba qual é o teu verdadeiro nome, foi pelo Colarinho Azul que passei mais de dez anos tentando pôr as mãos em cima e agora – dá uma pequena risada, interrompida por uma tosse seca, fazendo-o dar uma cuspida pela janela – irei aproveitar cada segundo.

Colarinho Azul, desvia o olhar da janela para o retrovisor e, mirando Paulo nos olhos, com sua habitual e paciente calma, diz.

- Espero que faça bom proveito.

Uma pequena e nervosa risada do policial ao volante faz Paulo rir também, enquanto coloca o que sobrou do cigarro no cinzeiro e fecha a janela depois de mais uma cuspida. A velocidade na qual Paulo fumou aquele cigarro espantou, de certo modo, até mesmo o Madureira que o acompanha há alguns meses. Colarinho Azul, ao voltar a olhar pela paisagem além da janela, enxerga um fotografo atento tirando muitas fotos da movimentação salivar do famoso delegado. Ao forçar a visão percebe que conhece o tal fotógrafo. Dá uma pequena e silenciosa risada, não tão silenciosa para os ouvidos de tuberculoso de Paulo.

- É bom mesmo que tu rias bastante por agora, por que daqui em diante, a coisa vai ficar sem graça.

- Não estou rindo de ti Paulo, não faria isso com um funcionário público que, ainda por cima, quer me prender.

Paulo ri, novamente, uma risada reveladora de seus problemas pulmonares.

- Colarinho Azul, não imaginava que teu senso de humor era tão, faz uma pausa como que pensando na próxima palavra e prossegue, não sei que palavra usar, mas talvez, posso dizer que, coloca a mão no queixo, já sei, tão apurado.

Ao dobrarem em uma pequena rua, logo mais à frente saem em uma ampla avenida e, nos primeiros cem metros, são ultrapassados por três carros com jornalistas, ficando apenas um para trás. Paulo olha para seu colega ao volante, enruga a testa, respira fundo e, com uma voz espaçosa e franca, diz.

- Ôh Madureira, vai me dizer que tu veio lá de São Paulo para deixar esse pessoal passar na tua frente?

Ele se ajeita no banco e, sem tirar os olhos da avenida, responde.

- Delegado, vou despistarrr eles, vou dobrarrr na prróxima rrua sem colocarrr o pisca-pisca.

Paulo se ajeita na cadeira, olha para a rua, coça a garganta, olha para o motorista e diz.

- Ainda não me acostumei com esse teu sotaque Madureira.

Ao tirar o pé do acelerador, deixando os carros mais à frente, em uma virada brusca e silenciosa em termos de pneus que não cantam sob o asfalto, fazem com que o passageiro do banco de trás seja arremessado pela lei da inércia para o outro lado do banco. Madureira olha de "canto de olho" para Paulo e, dá uma piscada como que dizendo ser um ótimo motorista.

- Tudo bem aí atrás Colarinho?

- Já me ajeitei aqui sim, mas com essa algema complica um tanto, responde com sua habitual calma.

- Não posso fazer nada a respeito disso, só posso tirar tua algema quando a gente chegar na delegacia.

Instantes depois, tendo despistado alguns dos jornalistas, não perceberam que apenas um destes carros conseguiu lhes acompanhar. Era o carro com o Mendonça, o segundo maior caçador da Andorinha.

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⏰ Última atualização: Jun 13, 2020 ⏰

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A Andorinha de ManoelOnde histórias criam vida. Descubra agora