Tomo I - Retalhos dispersos

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Ao escutar a campainha às sete horas da manhã, já sabe que é o porteiro do prédio vindo lhe entregar o jornal. Há vinte anos que ele assina o jornal e o primeiro a ler é Antônio, antigo funcionário e já amigo de todos os moradores.

- Bom dia seu Carlos, como vai?

- Antônio, vou bem, igual a ontem só que um pouco mais velho.

Risos.

- Sempre bem-humorado, que bom.

Lhe entrega o jornal e, entre outros comentários a respeito do desempenho da dupla Gre-Nal no campeonato brasileiro, algumas fofocas de outros moradores, principalmente da velha e antipática moradora do apartamento 71 com seu neurótico cachorro mordedor de calcanhares de crianças, assim como dos problemas no elevador, Antônio comenta da notícia capa do jornal que fala a respeito de um daqueles assaltantes de banco que eles tanto gostavam, do grupo que ajudava os mais pobres, embora ninguém até hoje ficou sabendo de alguém que recebeu aquele auxilio. Ele disse que iria ler. Se despediram e ele fechou a porta.

Ao sentar à mesa da sala, tomando seu café matinal conquistado com sua batalhada aposentadoria, abre o jornal e lê, saudoso, a matéria da capa com uma foto de um carro em movimento tendo, no banco da frente, um homem de cabelo volumoso e grisalho, com um amplo bigode levemente amarelado que tapa os lábios, de nariz roliço, dando uma cuspida para fora do carro.

Cuspidas na madrugada: a chegada de Colarinho Azul em Porto Alegre.

Chegou nesta fria noite de inverno em Porto Alegre um dos integrantes do grupo de assaltantes de banco que se auto denominavam de "A Andorinha de Manoel". Encontrado em Londres, Colarinho Azul foi desmascarado por Bob Brandt, um policial inglês que contribui com investigações internacionais para a Polícia Federal. Brandt chegará em Porto Alegre nos próximos dias para participar na intensificação das buscas pelos demais membros do fatídico grupo de larápios. É a segunda vez que Brandt vêm à Porto Alegre e, todos esperamos que desta vez, eles consigam desmascarar o mito da Andorinha.

O nome real deste integrante ainda não foi revelado pela polícia, entretanto, segundo informações não oficiais, seu nome é Vicente Cabrera Calheiros, e vivia na capital inglesa ha, aproximadamente, dez anos.

Ao tentarem despistar os jornalistas durante a escolta policial até o Palácio da Polícia, nossa equipe, infalível, conseguiu permanecer na busca por informações. O Delegado Paulo, o maior caçador da Andorinha, ainda não deu nenhuma declaração à imprensa, entretanto, informou que nos próximos dias irá realizar uma entrevista coletiva. Esperamos que sua situação pulmonar, nesta ocasião, nos poupe de salivares constrangimentos. A matéria completa encontra-se nas páginas centrais desta edição.

Matéria: Mendonça.

Antes de terminar seu café, abre o jornal nas páginas centrais afim de ler a matéria completa. Sua esposa, ao sair do banheiro em função de seu banho matinal, estranha ao ver seu marido estar com o jornal a mesa da sala pois, habitualmente, ele primeiro toma seu café e, depois, senta em sua poltrona na sala, estica os pés e, aí sim, lê o jornal. Ela se aproxima, como que invisível para Carlos frente sua total atenção com a matéria. Pelas rugas surgidas em sua testa, ela percebe que algo de estranho aconteceu. Vai direto ao ponto.

- O que houve de tão importante para ler o jornal a mesa?

Ele levanta a cabeça, fita em seus olhos, respira fundo e diz.

- Mulher, nosso ex-sogro era daquele famoso grupo de assaltantes de banco e...

Antes mesmo que ele termine de dizer o nome do grupo, ela afirma como que se estivesse perguntando, deixando a toalha que ia secar o cabelo cair no chão.

- Ele era da Andorinha de Manoel?!

Carlos, não entendendo se ela tinha perguntado ou afirmado, tenta pensar em dizer alguma coisa, ela lhe toma o jornal das mãos e começa a ler a matéria em voz alta. Em função da velocidade da leitura, assim como por sua distante condição auditiva, Carlos entende pequenos trechos entre palavras incompreensíveis. Instantes depois, ela diz, escuta essa parte. Ele diz, de modo vigoroso, como se estivesse incomodado por ter perdido a posse do jornal. Leia devagar mulher, quero entender o que tu esta dizendo. Ela retruca, como sempre, com algo que ele, mesmo não entendendo, sabe o que é. Ele junta a toalha e coloca-a em cima de uma das cadeiras, obediente, embora relutante.

- Colarinho Azul, um dos cinco integrantes do grupo de assaltantes de banco conhecidos como "A Andorinha de Manoel", foi preso e espera-se que ele revele a identidade dos seus comparsas escondidos atrás dos seguintes codinomes: Albino, Noiva, Manga e Manso. Ela respira fundo, mais de uma vez e continua. Segundo os dados divulgados, dos 6 assaltos realizados, o montante do valor alcança a grandíssima marca de dois milhões de reais.

- Meu bem, chega disso, não preciso mais escutar nada, vamos ligar para Paula, temos que ver se ela já está sabendo, temos que ver como a Sofia vai reagir a isso.

- Sim, tem razão, vamos ligar. Ela joga o jornal em cima da mesa e, transtornada, diz. E aquele pilantra não nos deu nenhum centavo, mas que barbaridade.

A Andorinha de ManoelOnde histórias criam vida. Descubra agora