Tudo tinha mudado desde a última vez que eu o vi. Agora, eu ia encará-lo novamente e não sabia como reagir. Eu me perguntava todos os dias como aquilo havia acontecido e o porquê. Por mais que as coisas que eu via e ouvia faziam mais sentido, ainda assim não eram normais. Normal seria a última coisa que eu empregaria aqui.
— E aí, preparada? – Celina me pergunta com preocupação.
No pouco tempo em que eu estava vivendo no Instituto, Celina e Moira eram uma das poucas meninas que não me olhavam com estranhamento. Foram 6 meses me adaptando e tentando me encaixar, até que eu admiti para mim mesma que isso não estava funcionando. Dois dias depois, eu encontrei Celina um pouco antes das minhas sessões de fisioterapia. Ela estava deitada sobre sua toalha de abacaxis, perto de uma das piscinas, em seu maiô retro de bolinhas lendo um livro. Eu nunca tinha a visto ali antes, mas assim que me viu, ela abriu um grande sorriso, não se importando que eu fosse a garota nova e estranha do Instituto. Com seu rosto de coração, covinhas e sorriso simpático, ela me conquistou, bem ali.
— Super! Eu e minha perna quebrada não víamos a hora. - eu digo em tom irônico.
Desde que eu sofri o acidente, ou melhor, a minha primeira tentativa de assassinato, tudo parecia estar meio fora do lugar. Principalmente minha perna que tinha se quebrado em duas partes, para ser mais exata.— Deeeeus, apenas pare de reclamar! Já faz seis meses que sua perna curou.
E essa era a Moira, sempre doce e compreensível. Eu a olho por um momento com cara de espanto. Ela simplesmente rola os olhos.
— Se você está dizendo... – eu levanto as duas mãos, teatralmente, só para fazer meu ponto.
Celina desconsidera toda nossa discussão e continua:
— Você tem certeza que Lucius é seu instrutor neste teste?
Eu não me digno a responder, já que essa é a terceira vez que ela me pergunta isso, só hoje.
— Eu só estou dizendo, o cara não aplica testes em anos, talvez em séculos! E desde que vocês parecem ter um histórico juntos...
— Eu sei – eu digo com pouco ânimo.
Eu pensei sobre tudo que eu tinha passado e como tudo tinha acontecido, e irrefutavelmente Lucius sempre esteve envolvido. Agora, eu terei que vê-lo de novo, depois de quase 9 meses. E pior, eu tenho que lutar com ele. O que eu realmente ainda não entendo o porquê.
— Se tem uma coisa que me faz querer acordar às oito da manhã, em pleno domingo, é você e seu drama "familiar". – Moira me diz com um sorriso malicioso no rosto, arrastando a palavra "familiar" para me irritar.
No começo, eu realmente não entendia como ela e Celina eram amigas. Onde Celina é sorridente e extrovertida, Moira é irônica e boca suja. Além das duas serem o total oposto fisicamente. Celina tem um corpo atlético e magro, um pouco mais alta com seus cabelos loiros escuros curtos. Moira também é atlética, de uma forma diferente, com um corpo de curvas acentuadas, um pouco mais baixa que Celina, cabelo raspado e uma atitude que poucas podem sustentar. Hoje, eu sei que elas são o yang e ying dessa soma.
E foi assim, com essa fala mansa e maliciosa, que Moira não me deixou esquecer por um minuto sequer essa semana como seria terrível eu lutar com Lucius. O que não deixaria de ser divertido e engraçado pra ela, mesmo que não pudesse estar lá pra ver. "Vaca!", sussurrei de volta e seu sorriso aumentou dois centímetros a mais. Que maravilha! Humilhação social era tudo o que eu mais queria para o meu café da manhã.
— Talvez não seja tão ruim assim – eu digo, mesmo sabendo que isso nunca seria verdade.
Moira soltou um simples "HA".— Claro! Cooom certeza...
Enquanto Celina diz ao mesmo tempo:
— Melhor não o subestimar, Clara.
Normalmente, eu brincaria com elas pelo puto apoio e credibilidade que elas estavam me dando, mas nesse caso eu sei que elas estão certas. Nós andamos mais um pouco até o fim do corredor estreito e paramos em frente à porta do ginásio. A porta dupla parece ser a única coisa aqui que não é do século XVIII. Para falar a verdade, o ginásio e as áreas das piscinas são as únicas partes do Instituto que não foram reformados e sim construídos, com o objetivo de treinar os novos membros.
Assim como eu, as meninas ficam em silêncio. Elas sabem da responsabilidade que há por atrás dessa porta e como isso vai afetar a minha vida por aqui em diante. Eu respiro profundamente tentado afastar os maus pensamentos e relaxar. O que realmente não dá certo.
Celina me abraça rapidamente e pega minhas mãos pra me confortar. Eu posso sentir através das suas mãos geladas e molhadas, que ela está tão preocupada e ansiosa como eu.
— Boa sorte lá. – ela diz ainda segurando minhas mãos.
— Obrigada. – a encaro mais um pouco e solto suas mãos. Viro-me pra Moira e observo como ela parece despreocupada e segura de si. E então ela me diz o que só ela pode dizer.
— Você já sabe o que fazer, vadia... Chute a merda fora dele. Foda tudo!
E eu só faço o que eu posso fazer diante suas palavras, eu rio. Se fosse assim tão fácil. Eu a abraço mesmo sabendo que ela reprova o gesto. Como sempre eu estou exagerando tudo. Não é como se essa situação fosse de vida ou morte.
É só um teste afinal – eu tento me acalmar. Então, porque eu me sinto tão desamparada? Me solto dos braços de Moira e abro a porta dupla lentamente.
E lá está a resposta da minha pergunta. Lucius.
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{H I A T O} REDENÇÃO • Saga Blind
FantasíaClara Ludwig viveu 17 anos de sua vida trancafiada no orfanato de São Joaquim, envolta por sombras, vozes e medos. Após sofrer um terrível acidente que quase tirou sua vida, ela acorda do coma de quase 1 ano para encontrar um mundo oculto. O Institu...