Amor que não se pede

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Era difícil encarar o pequeno ser humano sem prender-se a cena por horas. Íris era adorável, diferente de todas as outras crianças que passaram pela vida de Jonathan. Suas bochechas preenchiam maior parte de seu rosto, seus olhos eram grandes também e, se a olhasse bem de perto, conseguia ver pequenos cílios de um tom de marrom que se fantasiava de dourado contra a luz. Suas mãos eram menores do que as dos outros bebês na UTI neonatal, mas ainda assim eram gorduchas e adoráveis, podiam tocar sua pele suavemente ou testar sua força puxando os cabelos de seu futuro pai – que estava considerando raspar a cabeça para não ser mais surpreendido com a filha babando suas mechas e ficando vulnerável a qualquer vírus que seu coro cabeludo trouxesse –, por fim, ela estava perfeitamente saudável e tinha a aparência de um recém-nascido inegavelmente feliz, o que era raro em crianças prematuras, mas motivo para os homens que tanto queriam-na como filha ficarem com os corações calmos por finalmente terem passado pela fase difícil de não saber o que os exames mostrariam.

No início, a pequena garota era apenas um ato de solidariedade. Era tarde da noite quando encontraram uma mulher caída e sangrando no chão, a necrópsia indicou que o parto ter acontecido antes da hora foi resultado de um soco levado na barriga, que, além de iniciar o trabalho de parto, causou uma hemorragia interna. A mãe infelizmente não sobreviveu à agressão, mas, por sorte, Jonathan e Henry a encontraram e tiraram o bebê antes que outra vida se perdesse. Desde então, a menina esteve internada no hospital, sem identidade ou responsável, até que Henry teve a brilhante ideia de acolher a garota.

No início, Jonathan negou completamente a ideia, trabalhavam demais e mal tinham dinheiro para si mesmos, mas, por fim, acabou aceitando a ideia de que poderia sim ser feliz com uma família, independente de sua condição financeira, sua idade, sua orientação sexual e sua cabeça dura. E acabou que ele descobriu antes mesmo de tirar a garota do hospital que aquela tinha sido a decisão decisiva de sua vida, não sabia ao certo qual o sentimento que predominaria seu corpo e alma nos anos seguintes, mas tinha uma certeza estranha de que a felicidade em que se encontrava agora não era nem um pouco efêmera.

Voltando alguns anos na história de nosso protagonista, encontraremos um garoto pobre e sozinho, que está confuso sobre sua sexualidade, mas, mesmo se descobrindo homossexual em sequência, conheceu a felicidade por meio de uma garota, que se chamava Teresa na época.

Jonathan não se apaixonou por ela ou coisa parecida, na verdade sua primeira impressão foi de que a agora chamada "Tessa", não possuía nenhuma característica especial que lhe tornasse mais maravilhosa do que as outras garotas e garotos que perambulavam pela escola sem nenhuma razão para estarem ali, Jonathan os achava ridículos, mas a verdade era que ele também fazia parte do grande grupo de alunos fúteis e deprimidos, até que uma amizade inesperada brilhou em sua vida.

– Boa tarde – Uma garota que jamais vira na vida sentou-se ao seu lado no chão como se fosse íntima, o que incomodou Jonathan sem ele sequer fazer esforço para esconder isso.

– Eu conheço você? – Sem fazer muito esforço, virou o pescoço para encará-la. De fato, não parecia ser uma pessoa tímida, mas também não parecia uma boa candidata para tentar à vaga de amiga.

– Eu me chamo Teresa, sei que se chama Jonathan, estudamos na mesma sala, você perceberia isso se não fosse tão emburrado – Repentinamente, o desgosto pela garota aumentou, mas não foi o suficiente para que ela parasse de falar –, enfim, minha dupla para o trabalho de geografia me deu um pé na bunda, e você não precisa apresentar sozinho como sempre.

– Obrigado, mas eu prefiro continuar sozinho – Mesmo usando o resto da educação que sua mãe tinha lhe dado para não ir para o banheiro e ficar longe da garota, a mesma o obrigou a ir consigo para a biblioteca, lugar onde jamais fora devido à aglomeração de estudantes, em sua visão, insuportáveis, e pesquisar nos velhos computadores sobre as características principais da Guerra Fria e os motivos pela qual foi iniciada.

Demoraram alguns meses até que Jonathan percebeu que, quando não tinha a presença constante de Teresa na escola, não era a mesma coisa. Eles conversavam sobre absolutamente tudo, Jonathan conseguia até sorrir em meio às explicações chatas dos professores. Tessa salvou o final de seu ensino fundamental, e também lhe apresentou uma pessoa que mudaria completamente seu modo de ver o mundo.

– Você conhece aquele menino? – Jonathan apontou com os olhos para um rapaz alto que moreno que andava pelo pátio seguido por seu grupinho de amigos. Estava interessado nele há algum tempo, mas jamais teria coragem de convidá-lo para sair.

– Henry Lewis? Ele é um ano anterior ao nosso. Não conversamos muito desde que ele negou ficar comigo.

Uma ponta de esperança invadiu Jonathan, Teresa nunca era negada por nenhum homem heterossexual, isso só podia significar que o amigo destaque dessa vez era ele.

– Você acha que tem alguma chance de ele querer ficar comigo?

A reação de Tessa não foi a esperada por Jonathan, nunca tinham conversado sobre homossexualidade, mas ele julgava estar na cara que não se interessava por garotas, caso contrário já teria tentado algo com ela.

– Você é gay?

– Estou no armário, fique quieta.

As peças se juntaram na mente de Tessa, e, sua única conclusão era que sim, os dois poderiam ficar juntos, afinal, quando pediu para ficar com Henry pois achava que o mesmo estava a encarando, se enganara, ele estava olhando para o amigo desajeitado ao seu lado.

Depois desse empurrãozinho, Jonathan e Henry se conheceram melhor e começaram a namorar – coisa que dura até hoje –, foi difícil no início, principalmente por causa da intolerância do pai de Henry, mas eles não desistiram e hoje vivem juntos como qualquer casal saudável, e, para comemorar a felicidade do primeiro filho, nada melhor do que chamar a futura madrinha e responsável pela união dos dois para presenciar a felicidade dos dois.

– Jonathan, eu nem acreditei quando me ligou...

– É demais não? Nós vamos ter um filho.

– Você sabe que é errado né? Pense na criança... ela vai crescer sem mãe? Ou chamar você de mãe? Como vai explicar pra ela que ela nunca vai ter uma mãe ou... que nunca estará acompanhada pelos pais na eternidade, pois estarão no inferno...

O mundo de Jonathan parecia desmoronar, estava tudo perfeito, tinha construído a melhor pirâmide de cartas, só não esperava que a mais leve das brisas a derrubasse.

– Você não está dizendo isso...

– Olha Jonathan, eu aceitei o fato de que você queria desperdiçar sua vida passageira na Terra com um homem, mas condenar uma criança a isso, é inaceitável.

As falas foram ficando cada vez mais agressivas, e o tom das vozes foi aumentando até um enfermeiro vir e acalmar a situação, levando Tessa para uma sala separada. Jonathan estava arrasado, Tessa era como sua irmã, era mais do que uma melhor amiga, era parte de si. E agora, parte de si não o aceitava.

Pensou em ir para casa e deixar o choro acalmar seu coração, mas parou quando viu Henry retornar ao pequeno corredor que dava visão às crianças que estavam nas incubadoras, com uma cara tão boa quanto a sua.

– O que o advogado disse?

– Ele lamenta, mas um casal hétero demonstrou interesse na criança, e, provavelmente não vamos ter chance de adotá-la.

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