Mente de fada 3

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As fadas eram definitivamente estranhas, talvez eu demorasse para me adaptar ao seu estilo de vida. Alex não tinha dormido nenhuma vez, sequer cochilado; também não comia muito e não fazia barulho – notei que seus passos também não produziam som algum -; ela não mostrava desinteresse em conversar, mas também não puxava nenhum assunto. Sempre morei sozinha, mas agora me sentia mais solitária ainda.

Outra coisa estranha que vem acontecendo comigo são alucinações. Tenho breves sonhos com um ambiente todo branco e com vozes que causam um sentimento estranho, nunca as ouvi, mas é como um deja-vú que viverei no futuro. Acontecem várias vezes ao dia, mas não são muito longos. Tenho minhas dúvidas quanto a culpa de Alex por estar fazendo isso, mas não iria perguntar, não logo agora que estava tão próxima de conseguir o que tanto quero.

Minha rotina estava bagunçada, não tinha tempo para comer com tantos planejamentos. Precisava de um discurso para quando ficasse cara a cara com a rainha, precisava encaixar moinhas necessidades em uma pequena rotina que faria no tempo livre, e ainda tinha que terminar de encaixotar o que ia e o que não ia, separar as coisas e leva-las para doação, tudo isso com uma estranha a me observar.

Alex era irritante, ela não fazia nada para me irritar, mas somente isso já bastava para que perdesse a cabeça. Tentava puxar assunto algumas vezes, mas suas respostas eram curtas e grossas, talvez tenha me iludido pensando que fosse uma fada especial.

- Você não gosta de mim né? Me odeia na mesma intensidade que eu a odeio, não?

- Não sei, eu sou apenas a sua cabeça trabalhando.

- Desculpe-me?

- Veja bem, eu sou real, não?

- Claramente.

- Mas as outras pessoas não acreditam nisso, certo?

- Alex, elas não precisam acreditar, você não pulou de um conto de fadas e chegou à minha casa.

- Não, elas não acreditariam se contasse sobre mim ou sobre seu cargo que está tentando há anos.

As falas dela estavam confusas, deveria estar alucinando, ou eu estava, mas provavelmente era culpa dela.

- O que está tentando me dizer?

Ela se aproximou de mim, pela primeira vez, vi-a se mexer. Não encostava no chão, o que a deixava ridiculamente mais alta que eu, também não fazia barulho, apenas o vento de suas asas soprava meu rosto levemente.

- No final, você poderá escolher entre acreditar que me conheceu e viver eternamente comigo, ou, aceitar que é tudo coisa da sua cabeça.

Ela continuava a se aproximar, até que, antes que me tocasse, evaporou – literalmente -, em minha frente. Ela havia ido embora? E tudo aquilo que disse, era verdade?

Como não deveria me preocupar com o que uma estranha que até agora só me prejudicara dissera, não me preocupei, segui fazendo meus afazeres até cair no sono em uma pilha de roupas velhas. No dia seguinte, quando acordei, deparei-me com minha casa vazia, não me surpreendi, mas não lembrava exatamente o porquê de ela estar assim.

Quando fui escovar os dentes, encontrei um tufo de cabelos brancos na pia, quando me olhei no espelho, estava careca.

Desconfiada, resolvi sair de casa para que o ar fresco em meus pulmões liberasse minha mente dessa dor de cabeça que estava me deixando fraca. Faltavam dois dias para a minha viagem, e não gostaria de causar uma má impressão quando chegasse.

Andando pelas ruas, notei que estavam diferentes, não me recordava de como eram antes, mas sabia que tinham mudado, como se fossem de outro país. Assustada com a ideia de perder meu voo, parei uma senhora na rua e perguntei-lhe que dia do mês era. Quando respondeu 20 de outubro, desesperei-me, como fui pateta a ponto de perder a oportunidade que sempre esperei? Algo não estava certo, talvez a mulher estivesse errada.

Quando pedi ajuda a um homem que estava correndo com seus fones no ouvido, ele me encarou como se fosse uma mulher leprosa, um bando de pessoas se juntou a ele para me encarar. Sentia-me pequena, como se estivesse caindo em um poço sem fundo, mergulhando em sua água vermelha, água que depois descobri estar jorrando de mim.

Estava deitada, uma equipe de paramédicos cuidava dos ferimentos que não sabia ao certo onde estavam. Eu precisava encontrar alguém, estava prestes a morrer. Mas infelizmente, não lembrava de ninguém que conhecesse.

Em um piscar de olhos, a equipe de paramédicos sumiu, eu estava de pé, dançando com um estranho alto e forte, mas não parecia ser musculoso.

- Olá Estefani, prazer em conhecê-la – O homem olhou para mim, não esboçava sentimento algum enquanto falava, mas sua voz não se disfarçava tanto – Nos conhecemos várias vezes durante a sua vida, você foi a única pessoa que me conheceu, e eu fui a única que lhe conheci. Você costumava me chamar de Alex.

- Alex? Eu não conheço ninguém chamado Alex.

- E você também não se chama Estefani, certo?

Tive que concordar, já que a essa altura não lembrava mais meu nome.

- Nós sofremos da mesma doença, Estefani. Este deve ser meu último momento sóbrio, não me lembro o nome ou o que essa doença faz, mas sei que estamos sempre perdendo nossas memórias, mas, mesmo assim, sempre nos encontramos e nos apaixonamos...

- Essa é a primeira vez que nos apaixonamos dançando?

- Eu não sei – Parece que, pela primeira vez na conversa, eu consegui surpreendê-lo -. Você sabe?

- Não.

Enquanto dançávamos, uma música lenta começou a se aproximar. Sentia os ombros de Alex tensos, ele estava ficando gelado.

- Algum problema?

- Já está na hora, meu amor.

- Você vai me abandonar?

- Eu não tenho escolha, mas antes, preciso me despedir de você, como você sempre pediu para que fizesse.

- Despedir-se? Por quê?

- Porque você vai morrer, Estefani.

Alex me abraçou, não tinha forças para retribuir, mas estava entregue aquele carinho. Eu gostava dele, não queria morrer.

- Você também vai morrer?

- Eventualmente sim, mas no momento, estou voltando para o meu coma.

A figura alta e esguia à minha frente foi ficando cada vez mais opaca, a música estava ensurdecedora, mas não havia nenhum aparelho no local, não havia nada.

- Adeus, espero que não se lembre de mim.

Antes de partir, o estranho beijou minha mão, o que o fazia apenas mais estranho, já que recém tínhamos nos esbarrado.

No minuto que a música parou, voltei a estar em meio aos paramédicos, que agora eram enfermeiras que gritavam umas com as outras.

- Nós precisamos correr, ela está quase morrendo...

- Alex? Onde está o Alex.

Não sabia se não estavam me escutando ou se apenas me ignoravam, mas não desistiria tão fácil, lembrava-me desse bom homem chamado Alex, queria vê-lo antes de morrer, era meu melhor amigo.

- Com licença, onde está o Alex?

Eu tinha um marido e elas não se importavam com isso? Monstras.

- EU PRECISO VER O ALEX – Gritei como uma tentativa final, e então uma delas olhou para mim.

- Senhora, Alex é fruto da sua mente, que está lhe matando agora mesmo, eu preciso que fique parada...

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