Mente de fada - 1

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Em um mundo onde existem criaturas mágicas, os problemas parecem diminuir gradualmente enquanto os seres encantam aos desprovidos de talentos mágicos, mas a verdade é que nada é diferente, seres humanos continuam sendo egoístas, e as fadas não são muito diferentes disso.
​O mundo contemporâneo se esqueceu completamente dos princípios e direitos que lutou para conquistar. Fadas e humanos não se misturam, temos acordos que nos permitem viver simultaneamente sem prejudicar uns aos outros, temos relações comerciais e fronteiras que não podem ser cruzadas. No geral, é difícil de ver uma fada andando – ou melhor –, voando pelas ruas das grandes cidades, mas em alguns locais, uma espécie de zoológico abriga centenas de fadas que foram vendidas pela Rainha para serem expostas. Nada mais é tão cultural dos humanos do que celas e corredores estreitos.
​As fadas eram bonitas, muito diferentes dos humanos, tinham asas que pareciam mais com uma fina camada de bolha de sabão, mas completamente transparentes; seus olhos eram puxados, mas, assim como as sobrancelhas, acabavam mais alto do que começavam. Suas sobrancelhas eram finas e normalmente pretas, sempre penteadas para cima, pareciam quase que eram desenhadas – talvez fossem, mas não tinha como saber disso –; suas bocas eram mais "bicudas" do que as humanas, mais grossas nos mais jovens e mais finas nos anciões; seus tons de pele eram tão variados quanto os dos humanos, mas eram iluminados e brilhosos como ouro, pelo que aparentava, fadas cuidavam muito bem da pele com o que a natureza lhes dava; outro fato curioso é que a maioria possuía runas ou tatuagens, mas não com contorno preto como era de preferencia humana, mas sim com tons vibrantes e elegantes, como dourado, prata e bordô; a personalidade que mostravam aos humanos era fria e contida, até onde conhecemos, fadas não têm relacionamentos de nenhum tipo com ninguém, são estéreis e nascem de pequenas flores, não se identificam com nenhum gênero animal, mas preferem os pronomes femininos de nossas línguas normalmente – já ouvi dizer que em alguns países da Ásia e na Nova Zelândia eles optam pelos pronomes masculinos –. Alguns fissurados afirmam que a falta de interesse no romance se dá pelo fato de fadas não terem órgãos sexuais que os diferem – também não produzem hormônios sexuais, por isso não tem barba nem seios –, mas isso nunca foi afirmado formalmente por um ser mágico.
​Por mencionar os "fissurados", devo admitir que sou muito curiosa quanto ao modo que vivem e como se expressam – se é que praticam arte –, mas não chego a ser maluca ao ponto de perseguir alguma delas ou ficar perambulando pelos "centros de imersão" me corroendo pela luxuria de ver mais da pele das fadas expostas. Ao invés disso, eu resolvi sanar meu desejo me voluntariando para ser a embaixadora humana na floresta Amazônica e viver com essas criaturas incríveis, retornando para Brasília apenas duas vezes por mês para me informar sobre o que acontece além da densa mata – supostamente – mágica. Ninguém mais queria esse cargo, a maioria prefere virar magnata e ter um monte de filhos, muitos me julgaram por isso e dizem que eu devo ter fetiche nas fadas para fazer isso, mas quando estiver no meio das árvores mágicas – o que acontecerá em uma semana –, não vou ter que me preocupar com isso.
​Cresci em um orfanato e só saí de lá com dezoito anos, nunca namorei e não tenho amigos de infância, essa era minha chance de recomeçar que estava esperando há anos, por isso estou empacotando apenas o essencial e me livrando do que será apenas um peso nas costas quando estiver em um barco cruzando o Rio Amazonas. Nunca fui muito de me apegar a bens materiais então a tarefa não estava sendo das mais difíceis.
​Não precisaria de utensílios de cozinha, nem roupas sofisticadas, muito menos a quantidade exagerada de pastas com folhas, trabalhos, artigos e mais coisas volumosas sem sentido, em uma semana estaria livre.
​Fiz uma pausa para ir ao banheiro, e fiquei maravilhada de saber que não teria que lavar o cabelo todos os dias, sequer tomar banho, eu acho, as fadas com certeza têm magia para isso. Creio que nem precisarei de escovas de dentes, então nem ocupei minha bolsa com elas, só estava levando um sabonete por precaução, e um desodorante para não ficar fedendo no clima seco e úmido típico do local.
​Estava tão animada que andava pelo meu apartamento dançando. Era tão pequeno e aprisionador, mas logo não haveria paredes ou um teto me limitando, eu poderia dançar ouvindo o som da floresta, sem nada me impedindo de ser quem realmente sou.
​Arrisquei dar um rodopio no ar, mas infelizmente o chão extremamente liso e espelhado de minha residência me fez escorregar. Estava esperando um traumatismo craniano, mas, de alguma forma, não atingi ao chão. Tinha certeza de que não era por causa dos meus reflexos, e, quando abri os olhos, aquilo se provou em minha frente, como um homem – ou talvez uma mulher, era difícil de saber apenas vendo seu rosto –, alto e bonito, seu rosto era "limpo", sem marca de expressões ou sinais, suas sobrancelhas eram claras, em contraste ao tom de sua pele mais morena e de seu cabelo colorido e extremamente volumoso, provavelmente fora penteado para ficar assim. Seria bonito se não fosse um estranho invadindo minha casa.
​– Você precisa tomar cuidado, poderia ter quebrado a cabeça nesse chão duro – Ele me pôs de pé novamente e largou-me. Ele era diferente das pessoas da redondeza, provavelmente estrangeiro, seu sotaque era forte.
​– O que está fazendo aqui? – Não pretendia morrer logo agora, mas o tom grosso foi inevitável.
​– Salvando a sua vida?
​– Como entrou aqui? – Olhando em volta, percebi que a porta estava fechada, assim como as janelas.
​– Com mágica.
​Em um primeiro momento, pus-me a rir com tal declaração, mas a cara confusa do garoto fez-me refletir melhor a situação.
​– Mágica?
​– Sim – Diferente de mim, que já estava compreendendo a situação, ele parecia mesmo estar confuso.
​– Oh não...

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