1. Manuela

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Boa leitura! :)

Gleice & Victor

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22 de dezembro de 2014, às 19h34

Seria legal se Nathan calasse a boca por um instante. Não que ele fosse de falar muito, mas quando se entusiasmava ficava difícil acompanhar. No início, mesmo com a cabeça longe dali, eu até tentei prestar atenção, mas aí ele começou uma análise meio filosófica-antropológica-cultural-tudo-ao-mesmo-tempo-agora de Star Wars, e desisti. Ok, ele era meu amigo desde... sempre? (É, acho que sim.) Então, merecia um pouco mais de esforço de minha parte.

Levantei o rosto (Nathan era bem mais alto do que eu) e olhei para o meu amigo mais uma vez, dando o melhor de mim para acompanhar as suas palavras. Sua boca abria e fechava com rapidez e, às vezes, ele sorria de leve — eu devia estar fingindo muito bem que o escutava. Suas bochechas estavam vermelhas, o que realçava ainda mais as suas sardas, provavelmente de empolgação por poder despejar todo seu conhecimento aleatório em cima de mim — mas também podia ser por conta do frio. Nessa época do ano, a pequena cidade de Riverhill se transformava em um projeto de frigorífico.

Não estava dando certo. Eu tinha que contar uma coisa importante pra ele e tinha que ser agora.

— Eu vou embora daqui.

Nathan parou de falar e me encarou. Algo processava em seu cérebro e, pelo seu olhar desfocado, vi que ele havia percebido que eu não escutara absolutamente nada do que dissera.

— Quase te fiz dormir, né?

— Tá mais pra coma.

Ele sorriu de leve e eu soube que não estava chateado. Aliás, isso era o que eu mais gostava em Nathan: ele nunca se irritava comigo. Quer dizer, talvez apenas na vez em que o tranquei no armário por horas quando éramos crianças. Mas eu não tive culpa. Ele disse que era o monstro do armário e, bem, então devia ficar lá dentro e não me assustar.

— Vou levar você pra casa. — Nathan se levantou do banco da arquibancada e estendeu a mão para mim.

Ele não havia entendido. Isso ia ser difícil.

— Vem! — Ele insistiu e puxou a minha mão com força. Dessa vez, fui com ele.

Eu o vi começar a descer as escadas, mas não o acompanhei. Observei o campo à frente, o enorme gramado iluminado por apenas dois refletores. Inspirei e os cheiros de infância, de Riverhill, de Nathan me atingiram. Ali era o meu lar desde que nasci. Mas eu estava decidida a escolher um novo.

— Eu vou embora de Riverhill — praticamente gritei para que Nathan pudesse me ouvir.

Ele se virou, mas não indicou que subiria os degraus novamente. Fui até ele devagar, como se estivesse com medo de ver a sua expressão. Já pertinho, percebi quando virou o rosto para o outro lado, mirando nada em especial e com um vinco na testa. E, então, retornou para mim e me encarou. Como de costume, consegui lê-lo: vi confusão e receio naqueles olhos castanho-escuros que tanto conheço.

— Eu vou embora daqui. De Riverhill – repeti, impotente, sem saber mais o que dizer.

— Eu escutei.

Esperei que ele dissesse mais alguma coisa, mas Nathan se manteve quieto. Ele nunca ficava quieto, não comigo. E eu não sabia lidar com isso. Não tinha essa matéria no colégio: guia-de-como-ir-embora-da-cidade-e-deixar-tudo-para-trás-inclusive-seu-melhor-amigo. Por isso, talvez, tenha feito a coisa mais idiota nesses casos: fingi que não era grande coisa, afinal.

— Você pode me visitar sempre que quiser. — Dei de ombros e sorri, incerta. — Quer dizer, quando eu souber onde vou ficar.

Nathan continuou calado, e eu não estava disposta a esperar por alguma resposta dele. Desci o restante da arquibancada e fui em direção à sua caminhonete. Ele me alcançou assim que abri a porta.

— Quando? — Segurou o meu pulso.

— Daqui a três dias.

Nathan abriu a boca como se fosse dizer algo, porém voltou a fechá-la. Ainda via confusão em seus olhos, mas também nascia algo parecido com raiva.

— E só me contou agora?

— Decidi hoje. Nem meus pais sabem, só você.

— Pretende fazer isso como?

— No dia 25, de manhã. Eles provavelmente vão dormir até tarde por conta da festa de Natal da cidade, no dia 24.

— Isso é loucura!

Não o respondi. Talvez, no fundo, eu concordasse com ele.

— Mas... — Ele apertou o meu pulso com um pouco mais de força. — Por quê?

— Nada me prende aqui. Aliás, tudo me afasta daqui. Cada lugar, tudo me lembra de Allan.

— Nada prende você aqui?

Sabia o que ele queria dizer. Me expressei mal, o que acontecia invariavelmente.

— Isso não tem a ver com você, Nathan. — Sorri de modo sincero para a única pessoa que me entendia naquela cidade. — É só que...

— Claro que não tem a ver comigo. Nunca teve. — Nathan me interrompeu ao se afastar de mim e dar a volta na caminhonete, indo para a porta do motorista. — Tem a ver com você. Sempre teve.

Uou! Quando eu virei a vilã da história? Me perdi aqui.

— Não é como se nunca mais fôssemos nos ver, Nathan! E também podemos...

— Droga, Manu! — Ele socou o capô da caminhonete com tanta força, que o estrondo me fez dar um passo para trás.

Eu sabia que Nathan ficaria chateado, mas não imaginava uma reação do tipo. Pensei que compreenderia, afinal ele sabia tudo o que eu havia passado nesses últimos anos. Mas talvez eu estivesse esperando demais, como um estúpido milagre de Natal.

— Vamos embora — eu disse ao bater a porta.

Fizemos o trajeto em silêncio.

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