13. Manuela

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24 de dezembro de 2014, às 23h32

O choque da água me atingiu como várias alfinetadas em minha pele enquanto eu afundava. Meus movimentos cessaram por instantes. A água estava muito fria. O segundo de dispersão passou e, logo em seguida, bati as pernas com força e emergi. Procurei por Nathan, mas ele permanecia ao meu lado, segurando a minha mão. Nem havia percebido, pois ela já estava dormente devido à temperatura.

Nathan sorria.

Eu queria socá-lo — não de raiva.

Confuso. Nem eu me entendia mais.

Sentia tanto frio que nem consegui formar uma frase coerente, como “Ok, me tire daqui, entendi.”, mas a minha expressão havia sido clara o bastante. Ele nadou para perto do píer e me levou junto. Subiu primeiro em um dos pneus e depois me ajudou a fazer o mesmo.

Já no píer, eu fiquei pulando no lugar que nem uma maluca e me abraçando para tentar me aquecer de alguma maneira, enquanto Nathan mexia na mochila que trouxera. Quando vi uma toalha, quiquei até onde ele estava e praticamente a arranquei de suas mãos. Ele riu do meu desespero e se cobriu com outra.

— Meu Deus, que frio! — me embolei na toalha, mas não estava dando certo. Meu órgãos pareciam que tinham se solidificado, tudo era gelo dentro de mim.

— Vamos pro carro! Aquecedor!

Ele não precisou dizer duas vezes e corri para lá. Me joguei no banco de carona sem cerimônia alguma. Quando ele também bateu a sua porta, ligou o aquecedor, que parecia demorar milênios para esquentar o ambiente. Já pensava em alternativas mais insanas, como acender o isqueiro, fazer fogueirinha...

— Se eu perder um dos meus dedos, a culpa é sua.

— Não vai perder nada. Deixa de frescura!

— Frescura? — Nesse momento eu quis socá-lo de raiva mesmo, mas me limitei a estender a minha mão para ele ver como estava até dura de frio.

Nathan a segurou e fez movimentos circulares na minha palma. Quando me fitou — não sei se por causa do aquecedor que começava a funcionar ou alguma outra coisa —, senti uma faísca bem longe, muito longe, de calor, como se derretesse o que estava frio em mim. Como se me derretesse.

Ele me puxou de leve e me deixei ir. Em um movimento, estava em seu colo e os braços dele ao meu redor. Nathan me apertava com força contra si, e friccionava as mãos ora nas minhas costas, ora nos braços, tentando me esquentar.

Eu me mantive imóvel, com a cabeça apoiada em seu ombro. Vi o colarinho vermelho e branco da roupa de Papai Noel que Nathan ainda vestia, agora encharcada. Me senti meio pervertida no colo dele, como se estivesse corrompendo o bom velhinho, mas essa ideia doida passou assim que percebi que Nathan tinha uma sarda maior no pescoço. Nunca havia reparado nela. Retirei a minha mão debaixo daquela confusão de toalhas e roupas e braços e a toquei com a ponta do dedo. Olhei mais de perto e vi que, ao redor desta maior, havia outras pequenas. Não sabia o que estava acontecendo comigo. Devia ter entrado água no meu cérebro e congelado tudo por lá, só sabia que queria seguir o rastro de cada uma delas pelo pescoço dele e, apenas quando toquei na última, percebi que Nathan deixara de mexer os braços. Na verdade, pensei que ele havia morrido, porque não sentia nem mais a sua respiração. Afastei o meu rosto do seu ombro e o fitei. Ele sustentou o olhar e me assustei com a intensidade do que vi. Quando percebi seus olhos mudando o foco dos meus para a minha boca, achei que talvez o cérebro dele também estivesse congelado.

— Quero ter uma boa lembrança desse lugar — falei tão baixo que pensei que ele me pediria para repetir.

— O plano é esse. — Nathan sorriu.

— Seu plano podia ter dado errado, sabia?

— Sabia — fechou os olhos.

Gostei de ele ter entendido que eu me referia a coisa toda com o Papai Noel, o refeitório e aquele píer.

— Deu muito errado, pouco errado ou nada errado? — ele perguntou.

Nathan ainda não tinha aberto os olhos, percebi que tinha medo da minha resposta. Não queria que ele tivesse receio de que algo que eu dissesse poderia machucá-lo. Eu não queria fazer isso com ele. Nunca quis.

— Temos mais alguma lembrança pra mudar?

Ele abriu os olhos, que sorriam, assim como os seus lábios.

— Não, mas temos uma pra criar.

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