9. Manuela

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24 de dezembro de 2014, às 23h10

— Eu realmente pensei que aquela criança conseguiria arrancar a sua barriga fora — comentei enquanto espremia a espuma em minhas mãos.

— Eu também. — Nathan riu. — Na verdade, elas me assustaram.

— Jura? Não parecia.

— Estavam um pouco agressivas, me beliscaram muito. Acho que queriam ter certeza de que o Papai Noel existia mesmo.

— Justo. — Foi a minha vez de rir.

Era eu quem estava vendada, mas parecia que era Nathan, de tão devagar que ele dirigia. Percebi que ele pegou esse costume após o acidente de Allan, pois mesmo quando ainda não tinha carteira e seu pai o deixava fazer pequenos trajetos de entrega, ele nunca se ligou muito no velocímetro.

— Só pensa em levar essa mochila?

Ele bem que tentou encobrir, mas percebi a tensão em sua voz.

— Tudo o que é importante está aqui. — Trouxe a mochila mais para perto de mim, e deixei a barriga falsa de lado.

Tateei a mochila até achar o chaveiro preso a ela. Era Finn, do Adventure Time. A única coisa nerd que Nathan havia conseguido me fazer curtir de verdade.

— E dinheiro?

— Raspei a minha poupança.

— Como conseguiu?

— Sou persuasiva quando quero.

Ele não respondeu, mas entendi o seu silêncio como um “Eu sei”. Preferiu fazer outra pergunta:

— Seus pais?

— Vão me achar, com certeza. Mas sei que vão respeitar a minha escolha. Só não consigo encará-los agora.

Encostei a cabeça no banco e virei o rosto para a janela, imaginando a paisagem de onde estávamos passando. Sabia que não ia variar muito (campo, neve, montanhas ao longe), mas ainda assim gostei do que vi na minha mente.

— É, parece que pensou em tudo. — A voz de Nathan saiu quase como um sussurro.

“Pior que não”, quis dizer. Não tinha pensado, por exemplo, no quanto seria ruim ficar longe dele. E só imaginar que apenas teríamos algumas horas juntos fazia meu estômago torcer de um modo que ainda não sentira.

Precisava mudar o rumo dos meus pensamentos.

— Sabe que deixar você me vendar é a maior prova de confiança que já te dei, né?

— Me sinto lisonjeado... Acho?

— É pra se sentir mesmo. Confio em você a ponto de me deixar como uma personagem de um romance erótico.

Nathan não respondeu de imediato, mas, quando falou, sua voz era divertida.

— Tá pegando emprestado os livros daquela moça que trabalha no banco, Manu?

— Ah, não preciso. Minha imaginação é boa, sabe? Só de ver as capas, já deduzo toda a história do livro.

— Não duvido. — Ele riu.

— Mas... Eu só me referia ao fato de estar vendada, seu pervertido.

— Eu também.

Não sei se foi o modo cínico como ele disse aquilo, ou a impaciência por estar no escuro por tanto tempo, mas algo me deixou tensa.

— Vai demorar muito para chegar?

— O suficiente.

— Resposta de pai... — reclamei.

— Para uma pergunta de criança — ele respondeu a altura, mas com humor na voz.

Ficamos em silêncio por um tempo. Tudo o que eu escutava era o barulho do aquecedor da caminhonete, e tudo o que sentia era o cheiro misturado de flores que ele carregava ali dentro quando fazia entregas para o pai. Tão familiar.

— Eu vou sentir a sua falta, Nathan.

Odiei o modo como a minha voz pareceu menos firme do que pretendia. E me senti ainda pior quando o ouvi respirando fundo ao meu lado. No instante seguinte, a mão dele estava na minha e a apertava de leve.

— Ainda temos tempo — Nathan disse com firmeza.

Eu sorri, mesmo não sentindo vontade nenhuma para isso.

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