3. 𝗔 𝗤𝗨𝗘𝗗𝗔 𝗗𝗘 𝗚𝗥𝗢𝗦𝗩𝗘𝗡𝗢𝗥

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[JOE]

72 ANOS ATRÁS

O ÍNFIMO INSTANTE EM QUE GROSVENOR DESMORONOU

Nem mesmo nós, as criaturas mais puras conhecidas neste planeta vivemos em absoluta paz, a lei básica é que todos têm como parte de si a humanidade. A humanidade são as raízes que impregnam e destroem tudo, nós partimos o mundo em vários pedaços, chamamos de nossas terras, declaramos posse ao que nunca nos pertenceu, o que nunca lhes pertenceu e no fim, deixamos muitos sem nada.

Como eu, que fiquei sem esperança.

Nasci na terra élfica dos Grosvenor, nas regiões mais frias e próximas ao norte. Os Grosvenor pertenciam a uma grande linhagem de elfos que carregavam consigo o dom da criação da natureza, a essência hereditária trazia toda a capacidade de erguer um mundo natural, desaguar rios e proteger todo o ecossistema terrestre. Foi com isso que muitos acreditavam que os dominadores da Terra e da Água eram de nossa linhagem, o que é algo tolo, já que aprendemos desde pequenos que os espíritos lufaram vida para dentro do primeiro de cada um de nós.

Isso não importa, os Grosvenor deixaram de existir há muito tempo, sou o último deles e aquele que foi incapaz de carregar o mais grandioso dom herdado. A única coisa que carrego são lembranças, a mais dolorosa delas se reflete nos olhos de meu pai, em como seus olhos escuros me encararam e as mãos apertaram meus ombros me fazendo colocar todo o foco em suas palavras.

Eu deveria ter sete anos ou menos, não tinha conhecimento de minha existência ou importância, mas estávamos sendo atacados. Lembro-me de como ele me pedira para fugir dali, em como a sua voz parecia se perder no barulho ensurdecedor que era todo o resto; e as árvores caíam e o palácio de Grosvenor que antes eram monumentos em instantes se tornaram ruínas enquanto clarões arroxeados cortavam o ar em estampidos.

As lágrimas escorriam por meu rosto assim como no dele, a fuligem colava em minha pele e eu desmoronava por dentro, como se jamais pudesse estar preparado para aquele momento. Meus olhos buscavam por minha mãe, mas tudo que tinha diante de mim era a forma como meu pai balançava a cabeça negativamente e tentava me fazer correr de qualquer forma e para qualquer lugar.

Eu não a encontrei, meus olhos encontraram rostos assustados, cobertos pelo pânico em que eu estava inerte. Rostos que se apagavam, vidas que se desfaziam sob uma ameaça que jamais estiveram preparados e naquele instante, senti o mundo cair sobre mim. Não me lembro por quanto tempo gritei, por quanto tempo chorei e os meus braços espernearam tentando cavar caminho para fora em busca de vida.

Meu peito doía por algo ainda mais profundo, mas meu corpo seguia a onda ardente de dor enquanto eu engatinhava. Meu corpo rolava entre os escombros, os céus choviam cinzas que me sufocavam e quando tento preencher meus pulmões com ar, tudo que eu tinha ao meu redor eram olhares. Olhares de rostos que antes me cumprimentavam pela cidadela, olhares das vilas e olhares semelhantes aos meus.

Naquele dia morri e vivi.

Entre os corpos e a mistura do sangue, que era a vida escorrendo pelos escombros, conheci todos os tipos de expressões e olhares; gritei até não sentir nada sair de mim, escorri junto com todos ao meu redor, me debati para longe sem saber para onde ir e enlouqueci até me encontrar de novo.

Essa foi a queda de Grosvenor.

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