Filha de Ferro e Flores

Capítulo 3

   Giselle acordou com o barulho da porta do duplex sendo aberta. Levantou rápido procurando abaixo de sua cama o canivete azul que tinha por segurança. Desde sempre costumava estar precavida do que quer que fosse.

Saiu do seu quarto devagar e desceu as escadas, indo até a sala bem organizada e não encontrando ninguém na primeira vista.

-Onde você esteve mulher?! Eu quase liguei pra polícia, mas considerando que a gente nunca prestou, a polícia não era a melhor opção. –Giselle deu um pequeno pulo de susto e se virou para onde vinha a voz. Acalmou-se em seguida ao ver Ângelo saindo da cozinha com um copo de água em mãos. Claro, só ele tinha uma cópia da chave para entrar quando quisesse.

-Merda Ângelo! Se quiser me matar anuncia um assalto! –Ela brigou por um instante, mas riu logo em seguida ao abraçar o amigo. Também gemeu um pouco pela dor dos ferimentos cicatrizando com o movimento brusco. –Eu estava no hospital.

-E por quê? O que aconteceu? –O rapaz sentou-se no sofá dali levando-a junto, estava genuinamente preocupado.

-... -Por alguns instantes, Giselle pensou no que responder. Ângelo era seu mais antigo e fiel amigo, a pessoa em que mais confiava naquele lugar. Decidiu falar a verdade. –Deu errado. Alguém entregou nossa localização para a polícia e eu quase me ferrei ontem. A saída foi praticamente me apagar. Dei meu jeito e acordei no hospital... Mas...

-Mas o quê, Giselle? Tem mais coisa nisso ainda?! –Ele perguntou, um bocado surpreso com aquilo.

-Lembra que eu te mandei mensagem falando daquele rapaz que conheci na Burlesque? Então... Ele é policial. Ele que estava lá no flagrante, e ele que me levou pro hospital depois que eu apaguei. Felizmente Kaleb, aquele médico que trabalha comigo, estava lá e sabia o que fazer. Agora eu tenho que me afastar por um tempo da administração da boate e segurar a farsa de "Perda de memória". Vou cuidar dos negócios dela por fora por enquanto, já avisei a Maya e ela disse que cobre essa pra mim. –A expressão incrédula de Ângelo era estranha e ao mesmo tempo engraçada, Giselle nem imaginava no que ele estaria pensando, mas já sentia a discussão eminente.

-A Maya trabalhar duas vezes mais?! Você sabe que ela vai cobrar por isso né? E por qual motivo ridículo você tem que manter a farsa? –Ele gesticulava exageradamente a cada pergunta, fazendo Giselle revirar os olhos pelo drama.

-Ângelo, ele basicamente salvou minha vida, me livrou da cadeia e na Burlesque foi até bem legal comigo. Eu vou agradecer a ele, manter a aparência de amnésia por algumas semanas e depois voltar normalmente. Não se preocupe. Só tente dar uma olhada lá por mim quando puder.

Ângelo parou, olhou para ela e sorriu vencido. Se Giselle faria aquilo, com certeza era o que era necessário, mesmo que ele achasse aquilo um teatro elaborado demais para apenas sair do encalço da polícia como "mocinha da história". A amiga agradeceu mentalmente por ele compreender e o fez deitar a cabeça em seu colo enquanto mexia em seus cabelos tingidos de rosa e ligava a televisão num filme clichê qualquer que passava aquele horário.

-Você sabia que nada seria fácil comigo, Ângelo. E mesmo assim continuou comigo, muito obrigado. –Giselle disse enquanto fazia curtas trancinhas nele.

-Besteira. Eu gosto da nossa vida atual. Os riscos deixam mais emocionante.

-Mesmo sabendo que qualquer vacilo a gente vai em cana por no mínimo vinte anos?

-Nunca nos pegaram. Não vai ser hoje que isso vai acontecer. –Eles se olharam confidentes, rindo juntos novamente. –Mas me conta, o que aconteceu com as outras meninas que estavam lá?

-Tasha tomou um tiro, foi só o que fiquei sabendo. As nossas mulheres e as dela... Acho que todas elas foram presas. Eu avisei que não era uma boa ideia andar com drogas e aquelas falsificações de cartão pra todo lado apenas pra parecer mais imponente. Esse é o problema de grande parte das pessoas quando começam a ganhar dinheiro. Acham que são invencíveis. Vou tentar soltar a Malu e a Brianna assim que as coisas facilitarem.