CAPÍTULO II

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Percebo, com alegria, meu mais valioso amigo, que a nuvem de seu desprazer já se dissipou; a luz de seu semblante me abençoa mais uma vez e você deseja a continuação de minha história; portanto, sem mais delonga, você a terá.

Acho que o dia que por último mencionei foi um certo domingo, o último de outubro de 1827. Eu saíra, na terça-feira seguinte, com meu cão e minha arma, à procura da caça que eu pudesse encontrar no território de Linden-Car; mas, sem achar nada, mirei minhas armas para os falcões e as gralhaspretas, cujas depredações, como suspeitava, privaram-me de melhores presas. Com este fim, deixei as mais frequentadas regiões, os vales cobertos de florestas, os milharais e as várzeas, e me encaminhei para escalar o íngreme aclive de Wildfell, a mais selvagem e alta proeminência em nossa vizinhança onde, enquanto se sobe, as sebes, assim como as árvores, tornam-se raras e mirradas, as primeiras, por fim, dando lugar a rústicas cercas de pedra, parcialmente esverdeadas de hera e de musgo, as últimas, aos lariços e aos abetos escoceses ou aos abrunheiros isolados. Os campos, sendo rudes e pedregosos, e totalmente inaptos para a aragem, foram quase totalmente destinados ao fortalecimento das ovelhas e do gado; o solo era adelgaçado e pobre: pedaços de rochas cinzas despontavam dos herbáceos outeiros, aqui e ali; mirtilos e urzes – relíquias de uma vastidão mais agreste - cresciam sob os muros; e, em muitos cercados, as ambrósias e os juncos usurpavam a supremacia das escassas ervas; mas estas não eram minha propriedade.

Próximo ao topo deste monte, cerca de duas milhas distante de Linden-Car, ficava Wildfell Hall, uma antiquada mansão da era Elizabetana, construída com pedras cinzas escuras, venerável e pitoresca se observada, mas, sem dúvida, fria e escura o suficiente para ser habitada, com suas espessas fasquias de rocha e pequenas vidraças em treliça, seus orifícios de exaustão consumidos pelo tempo e sua situação, tão solitária, tão exposta – apenas guarnecida do ataque dos ventos e do clima por um grupo de abetos escoceses, os próprios meio que despedaçados pelas tempestades e parecendo tão rígidos e escuros quanto a própria casa. Atrás dela, estendiam-se alguns campos desolados e então o pico da colina, revestido de charnecas marrons; à sua frente (cercado por muros de pedra, com acesso por um portão de ferro, com grandes esferas de granito cinza – semelhante àqueles que decoravam o telhado e o frontão – abrangendo as colunas do portão) havia um jardim – uma vez repleto de plantas e flores resistentes, tanto quanto poderiam suportar aquele solo e aquele clima, e tais árvores e arbustos que melhor poderiam aguentar as torturantes tosquiadas do jardineiro e muito rapidamente assumir as formas que este atribuía a elas – agora, deixado por muitos anos sem cuidado e sem corte, abandonado às ervas e à grama, ao gelo e ao vento, chuva e seca, apresentava um aspecto de fato singular. Os muros verdes de alfena, que bordejavam próximos o caminho principal, estavam já dois terços ressecados e o resto crescia além dos limites razoáveis; o velho cisne de buxo, atrás da pá, perdera seu pescoço e metade de seu corpo: as torres encasteladas de loureiro, no meio do jardim, o gigante guerreiro que permanecia de um lado da passagem e o leão que guardava o outro lado, haviam germinado formas tão fantásticas que não se pareciam com nada existente tanto na terra quanto no céu ou nas águas subterrâneas; mas, para a minha jovem imaginação, todas elas tinham uma aparência de duendes, que se harmonizava bem com as fantasmagóricas legiões e as obscuras histórias sobre a casa assombrada e seus outrora ocupantes, que nossa antiga ama nos contava.

Eu lograra abater um falcão e duas gralhas quando pude discernir a mansão; e então, abandonando outras depredações, ative-me a dar uma volta para olhar o velho lugar e ver quais mudanças havia operado sua nova habitante. Eu não queria ficar bem de frente e observar do portão; mas me detive defronte ao muro do jardim e olhei, e vi nenhuma mudança – exceto em uma ala, onde as janelas quebradas e o teto dilapidado haviam sido, evidentemente, consertados e de onde uma tênue espiral de fumaça se ondulava da série de chaminés.

A moradora de Wildfell Hall (1848)Onde histórias criam vida. Descubra agora