3| sombra na tarde da paz

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Grito no vácuo
Que volta no eco
Que fala do outro e que faz
Sombra na tarde da paz
- Canção de Lá -

15 de Março, 2020
Monte Verde

Rafaella sentia saudades de quando era mais nova e não parecia ter tantas responsabilidades. Saudades até mesmo das noites mal dormidas durante os dois anos de curso técnico em Uberlândia; aqueles provavelmente foram seus últimos dias de liberdade completa.

— Cheguei, mãe! — Exclamou assim que entrou na casa que morou desde que nasceu e que, recentemente, tinha voltado a morar.

— Rafa! Ainda bem, queria mesmo saber o que você acha dessa receita que eu achei no livro de receitas do seu pai... — Contou animada abraçando a filha e a puxando na direção da cozinha.

— Aí dona Genilda! Já falei que você na cozinha não da certo!

— Bom, filha, agora sou eu ou eu, né? — Respondeu em um misto de tristeza e chateação.

O pai de Rafaella faleceu há alguns poucos anos, e infelizmente, desde então, Genilda tem estado em uma fase de negação e tristeza um pouco grande. As vezes parecia estar superando, mas em outras era tomada por um tom um pouco irônico e chateado, como agora. Todo esse drama acabou levando Rafaella a se mudar de volta pra casa, sem nem conseguir aproveitar a casa recém comprada perto do centro. Entendia que precisava ajudar a mãe e cuida-la nesse momento, mas será que isso nunca passaria?

— Eu faço pra você, mãe. E outra! A senhora não precisa ficar assim só por causa do papai... já fazem anos, mãe. — Hora ou outra Rafa tentava convencer a mãe que ela precisava superar. Seguir a vida, ou qualquer coisa parecida, mas Genilda só se apoiava no trabalho e na filha, e isso começava a pesar.

Era bom que Monte Verde não fosse uma cidade lotada de problemas pra Genilda resolver como delegada, mas ainda assim Rafa acreditava fielmente que a mãe deveria tirar um tempo pra si. Tenente Gabriel com certeza conseguiria dar conta!

— Eu sei, Rafa... eu estou tentando, tá bom? Tô bem melhor e nem estou mais tomando os remédios pra ansiedade... — Contou dando um sorriso de lado e voltando a mostrar o livro de receitas pra filha.

Por um lado Rafa ficava feliz de saber que Genilda tinha parado de tomar os antidepressivos, mas por outro se perguntava se isso estava mesmo certo. Já tinha oferecido pra pagar uns dias em um spa em outra cidade pra que Genilda pudesse desopilar, mas isso também tinha sido recusado.

— Tudo bem... cê sabe que amanhã tem a reuniãozinha na casa do Rodolffo, a senhora não quer ir? Tio Sebastião deve ir... — Rafaella ofereceu enquanto fitava a receita que sua mãe mostrava.

— Ele e o Gabriel comentaram comigo, filha, mas eu prefiro ficar em casa, sabe? Pra descansar... — Respondeu esperançosa de que Rafaella não insistiria. — E então, o que achou? Seu pai sempre gostou muito dessas receitas refinadas...

— Parece boa... toma cuidado usando a panela de pressão pra cozinhar o pinhão... — Aconselhou sorrindo fraco pra mais velha. Quem visse Dona Genilda na rua ou na delegacia nunca imaginaria a pessoa por debaixo da carcaça de fortona.

— Tá ansiosa pra amanhã? Ver o Rodolffo? — Genilda perguntou sugestiva enquanto fazia os preparativos pro risotto de pinhão.

Laços | RABIAOnde histórias criam vida. Descubra agora