Mesmo sem estar.

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O despertador tocou exatamente as 06:00 da manhã.
Abri os olhos encarando o seu lado vazio na cama e suspirei.

Já fazia um mês mas eu sei que nunca iria me acostumar.

Deixei a preguiça de lado e me levantei, o dia seria cheio e antes de ir para o trabalho eu tinha que ir visitá-lo.
Ouvi meus pais falarem várias vezes sobre meu comportamento está virando algum tipo de obssessão, mas não me importei com isso, só nós dois sabíamos do tamanho do nosso sentimento e das promessas que fizemos.

Quando saí do banho encarei meu guarda roupa aberto e sorri ao pegar a blusa que eu sabia que era azul mas só pra me irritar ele dizia que não era. Ele sempre disse que a ruga que surgia na minha testa quando eu ficava brava me deixava linda, eu sempre achei um bobagem mas amava quando ele me elogiava.

Depois de me vestir arrumei meu quarto, não pude deixar de abraçar o travesseiro dele, cada vez que eu sentia que o cheiro estava sumindo eu borrifava o perfume dele no travesseiro.

Mais uma mania para meus pais falarem.

Encarei meu reflexo no espelho enquanto prendia o cabelo, confesso que nos últimos dias pensei em cortar, mas ao fechar os olhos conseguia ver sua expressão de indignação ouvindo isso.

Borrifei o perfume que ele tanto gostava.
Era um gesto bobo, se levar em consideração para onde estou indo, mas eu não me importava.

Ignorei a vontade de comer besteiras logo no café da manhã, a nutricionista falou que essa fome louca podia ser emocional, talvez seja mais uma bobagem das pessoas tentando me dizer para seguir em frente.

Eu estou seguindo, devagar, mas estou seguindo.

Li um artigo que dizia que o tempo de luto varia de pessoa para pessoa, o mesmo artigo dizia que só quem passa por isso pode imaginar como as pessoas se sentem. Me apeguei a isso, ninguém sabia realmente como eu estava me sentindo.

"Vai passar querida!", minha mãe disse.
"A dor não será eterna.", seu pai falou.
"Você não pode parar sua vida, Luan não iria querer isso.", sua irmã disse e de todos, nela eu realmente acreditei.

Você não iria gostar de me ver sofrer.

Peguei uma pêra antes de sair dacozinha e ir pegar minha bolsa na sala, o dia seria cheio no hospital e sei que daqui a pouco a fome apertaria.
Chamei o elevador enquanto trocava o peso de uma perna para outra, talvez em breve eu não pudesse mais usar salto por um tempo. Entrei no elevador vazio e soltei um longo suspiro ouvindo a melodia suave que tocava.

Quando passei pelo porteiro vi aquele olhar que tantas pessoas me lançaram no último mês, eu não sei definir se é de pena ou compaixão.

Se Luan estivesse aqui com certeza diria para ignorar o que essa gente curiosa fala ou pensa.

Entrei no carro e como de costume liguei o som, o percurso que eu fazia antes de ir para o trabalho era curto, durante o caminho nossa playlist me fazia companhia.

Sorri ao ouvir a terceira música tocar, a história era tão parecida com a nossa.
Falava de um amor distante que sobreviveu a muitas coisas. Como falar de distância e não lembrar de nós dois? Eu aqui em Minas e ele em uma missão de paz no Vietnã.

Sua mãe odiava que ele servisse ao exército, e apesar de odiar também eu precisava fingir que não quando estava do lado dela, mas no fundo ela sempre soube. Dona Mari me conhece tão bem, talvez até um pouco mais que a minha mãe.
Mas é um segredo que morrerá comigo.

Eu lembro quando ele disse que iria passar um ano fora, ignorei a minha dor ao ver seu sorriso de felicidade.
Seu pai não poderia estar mais feliz e orgulhoso, ele era um oficial da marinha aposentado.
Luan iria seguir a tradição da família.
Ele iria servir ao seu país, desde pequeno sempre foi isso que ele quis. Esse sempre foi seu maior sonho e quando eu me apaixonei por ele eu já sabia disso.

Of songsOnde histórias criam vida. Descubra agora