Krystal
- Boa tarde. A Christin está em casa?
Fiquei alguns minutos esperando, até uma mulher, a mãe de Christin, presumi, abir a porta. Ela torceu o nariz quando me viu. Acho que Christin não deveria levar muitas amigas em casa.
- Oi. Ela está. - Ela me analizou por mais alguns segundos. - Mas, posso saber o que você quer com ela?
- Claro. - Procurei as palavaras, para deixar a desculpa convincente. - Eu queria entregar um caderno para ela. E preciso falar com ela pessoalmente também.
Ela assentiu.
- É algum assunto sério?
- Não, não. Coisa de amigas mesmo, sabe?!
Franzi as sobrancelhas. Era estranho me dirigir a Christin como "amiga", sabendo que estávamos bem longe disso. Éramos, no mínimo, conhecidas.
- Tudo bem. - Ela sorriu. - Pode entrar.
Ela abriu mais a porta, para que eu pudesse passar.
Eu não tinha noção do quão rica Christin era, até entrar na casa dela. Analizei todos os lados. A peça era bem parecida com uma sala de espera. Havia uma sapateira de madeira, ao lado da porta. Em um canto, haviam duas poltronas de couro, em cima de um tapete grande. Alguns quadros estavam na parede.
- Desculpa perguntar, mas você é a mãe de Christin?
- Sou, sim. - Ela respondeu, sorrindo.
Observei ela tirar os sapatos para entrar na casa. Fiz o mesmo. O chão branco estava tão limpo. Não pude deixar de pensar no trabalho que deveria ser para limpar.
Ela me conduziu por uma porta, que dava em uma sala de estar. Uma sala gigante. Com sofás, estantes, poltronas, tapetes, uma mesa de centro e uma televisão muito grande presa na parede.
- A Christin está no quarto. Pode subir. - Ela apontou para o topo da escada. - Segunda porta a direita.
Agradeci, sorrindo.
Senti um frio na barriga enquanto subia a escada. Não poderia saber qual seria a reação de Christin. Não sabia por que estava com essa preocupação. A pior coisa que ela poderia fazer era me expulsar dali.
Andei devagar por um corredor extenso. Quando encontrei o quarto de Christin, a porta estava entreaberta; o suficiente para que eu pudesse enxergar Christin. Me recostei no marco da porta e a observei. Ela estava deitada na cama, com fones no ouvido. Ela fazia gestos com as mãos, enquanto cantava a música para si mesma.
Parada ali, me peguei observando a aparência dela. O cabelo bem curto (eu acho isso ridículo, mas é aquele tipo de cabelo que a sociedade machista considera "de menino"), preto. A cor escura do cabelo contrastava com a cor clara da pele dela; um contraste muito bonito, inclusive. Eu já havia reparado antes nas roupas dela, e continuava sem entender como uma pessoa podia usar tanto preto junto. Parecia que estava indo para um velório. E as roupas dela pareciam todas compradas em um brechó. Como será que ela vive assim? Será que ela não usa uma roupa colorida nunca?
Eu precisava descobrir como aquela menina que eu estava vendo ali, tão diferente do que ela era nos corredores da Universidade Loyola, podia agir daquela forma.
- O que você está fazendo aqui, garota?!
Eu nem havia reparado que ela tinha aberto a porta toda. Levei um susto quando vi ela na minha frente.
- Eu preciso falar com você. Então, resolvi vir aqui, já que eu sabia que você não falaria comigo na escola.
Ela revirou os olhos.
- O que você quer comigo? E, como você sabe onde eu moro?! Se você veio aqui achando que eu quero companhia, por causa do vídeo... Nem perca seu tempo.
Revirei os olhos.
- É uma longa história. - Apontei para dentro do quarto. - Não vai me deixar entrar?
Ela se sentou na cama novamente, bufando. Segui ela, deixando minha mochila em uma poltrona e me sentando ao lado dela na cama.
Ela guardou os fones em uma gaveta e colocou o celular na mesinha do computador.
Fiquei brincando com um fio solto do lençol. Como ela não falou nada, resolvi me pronunciar.
- Então, podemos conversar?
- Você já está aqui mesmo, 'né'. - Ela me olhou, com cara feia. - Vamos, fale logo.
Respirei fundo.
- Se você vai me xingar e não me ouvir direito, não vou nem começar a falar. - Me ajeitei na cama. - Ou você me escuta e fala direito comigo, ou eu vou embora agora. Você vai me ouvir ou eu posso sair? - Olhei séria para ela.
- Eu vou te ouvir, Krystal. - Ela respondeu, meio contrariada, olhando para mim.
Pensei no que eu deveria falar; procurei bem as palavras. Não queria que ela me entendesse mal, e já tinha percebido que era difícil lidar com Christin.
- Por quê você é assim? - Perguntei, em um tom calmo.
Ela torceu o nariz.
- O que você quer dizer?
- Por quê você me trata assim? Tão... - Procurei, novamente, a palavra certa. - Rude.
Ela revirou os olhos.
- É sério que você veio até aqui só para perguntar isso?
- Eu estou falando sério, Christin. - Fiquei séria de novo. - Todas as vezes que eu tentei conversar, você praticamente me mandou a merda. Você nem tenta me ouvir. Eu te trato com educação, e você me trata mal. E você está sempre de cabeça baixa na escola. Nunca fala com ninguém. - Respirei um pouco, antes de continuar. - Eu realmente não quero julgar você antes de entender seus motivos. Por isso eu vim aqui. E espero que você seja sincera comigo.
Ela baixou a cabeça, com o olhar nos pés. Observei ela formular várias frases com os lábios, mas sempre desistia. Ela fez isso mais algumas vezes, até finalmente falar.
- Você já sabe da história do vídeo. - Ela levantou a cabeça, ainda sem me olhar.
Assenti, mesmo sabendo que ela não havia percebido.
- Depois que aconteceu tudo aquilo, nos mudamos. Eu não conseguia nem colocar o pé dentro daquela escola. Não conseguia nem pensar em ver Jonh novamente. - Ela estremeceu ao lembrar. - E eu achei que conseguiria me virar bem em uma escola nova. - Ela fazia gestos com as mãos. - Mas eu não consegui. Sentia como se todo mundo soubesse do vídeo, e estivesse me julgando. O Simon foi uma exessão. - Ela cruzou as pernas, colocando-as na cama. - Então eu me "fechei" para o resto do mundo. Se eu não falasse com mais ninguém, não seria notada. Comecei a tratar todas as pessoas mal, ser rude, como você mesmo disse. Foi uma forma de me "blindar" do que havia acontecido. - Ela balançou a cabeça. - 'Aí' o vídeo voltou. Passei a ser notada pela escola inteira. E acabei ficando mais rude ainda. Eu ando muito sobrecarregada com tudo isso, sabe? Mas, nem você e nem ninguém tem alguma coisa a ver com isso. - Ela, finalmente, me olhou nos olhos. - Desculpa. De verdade.
Ela respirou bem fundo, como se estivesse aliviada em me contar isso tudo.
Fiquei sem saber o que falar. Eu não podia imaginar como ela havia se sentido com isso tudo. E agora estava acontecendo tudo de novo. Eu conseguia entender os motivos dela. Claro, ela não deveria tratar as pessoas assim. Mas, meu deus! Ela tinha todos os motivos do mundo. Era totalmente compreesível.
Por um momento, cheguei a me sentir culpada por pensar que ela era assim por vontade própria. Mas logo espantei o pensamento. Não tinha como eu saber o que ela havia passado antes.
- Tudo bem. Eu não sabia dessas coisas antes. Eu entendo você.
Consegui perceber que ela havia relaxado o corpo.
- Acredite se quiser, além de Simon, você é a primeira pessoa que eu desabafo em muito tempo. Na verdade, você é a única pessoa que eu tive uma conversa por mais de cinco minutos.
Ela riu e eu também. Confesso que também fiquei aliviada de ver ela rindo.
- Você realmente é muito forte, Christin. Você passou por tudo isso e ainda consegue sorrir. Eu acho que eu não aguentaria.
- Eu não sou tão forte assim, Krystal. Eu só criei essa "armadura". E não pense que eu gosto de ser assim. - Ela balançou a cabeça. - Mas isso me afeta menos do que os julgamentos das pessoas. Meu deus! Eu chorei no banheiro! Como você ainda consegue me achar forte?
Eu cruzei os braços e arqueei uma sobrancelha.
- E desde quando chorar torna você fraca? Todo mundo chora, Christin! - Apoiei os cotovelos nos joelhos. - Eu, particularmente, considero isso um ato de de força, não de fraqueza.
- Bom, eu nunca tinha pensado por esse lado. - Ela se levantou da cama e parou na minha frente. - Enfim, você quer comer alguma coisa, Krystal? - Ela direcionou o polegar para a porta.
Eu sorri. Era até difícil de acreditar que aquela era a mesma Christin da escola.
- Pode me chamar de Krys. - Me levantei da cama. - Obrigada, mas não posso. Tenho que ficar com minha irmã mais nova, Molly. Inclusive, obrigada mesmo por ter sido sincera comigo hoje.
Ela assentiu, sorrindo.
Peguei minha mochila na poltrona e me dirigi a porta.
- Desculpa mesmo por ter sido grossa com você. - Ela falou, me olhando nos olhos.
- É, você foi mesmo grossa comigo. Mas 'tá' tudo bem, Chris.
Assim que terminei a frase, o sorriso sumiu imediatamente do rosto dela. Fiquei sem entender o motivo. Eu não lembrava de ter falado algo de errado.
- Aconteceu alguma coisa? - Perguntei, confusa.
- Por favor, vá embora.
- Mas, você estava tão bem, e...
- VAI EMBORA, KRYSTAL, POR FAVOR! - Ela gritou.
Assenti, assusada. Saí do quarto, ainda sem entender a mudança repentina de humor dela.
De uma coisa eu sabia, não iria mais falar com ela. Eu já havia procurado ela. Se ela quisesse falar comigo, era ela quem teria que me procurar.
Desci as escadas rápido. A mãe de Christin estava em um dos sofás quando cheguei.
- Tchau, Sra. Church. Obrigada. - Falei, já caminhando até a porta.
- Tchau, querida.
***
VOCÊ ESTÁ LENDO
Just Hold My Hand
RomanceDuas garotas, duas realidades totalmente diferentes: Krystal, a garota mais desejada da Universidade Loyola, a típica patricinha, o centro do universo; Christin, rebelde, tem apenas um amigo, Simon. Ela, obviamente, a mais odiada pelos professores. ...