Cap 1 - Cidade Nova, Vida Nova

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Após dias a conduzir finalmente chego a Yale. Estacionei o carro no parque da residência onde passarei os próximos anos. Os próximos anos. O peso no peito que tenho vindo a carregar desde Los Angeles parece agora mais leve. Espero começar uma nova vida aqui, sem os stresses que me têm assombrado há anos, espero ter uma pausa nos pesadelos, uma pausa no meu sofrimento. O peso está a voltar. Para Emily. Para de pensar em coisas passadas. Cidade nova, vida nova.

Decidi ir até à receção das residências para acabar de assinar os papéis para me puder ser atribuído um quarto. Nem acredito que finalmente estou aqui, isto é tão fantástico. Abri a porta e a rececionista olhou para mim com cara de zangada. Fogo ainda agora cheguei e já olham assim para mim?

- Bom dia! O meu nome é Emily Miller e venho assinar os papeis para a residência, falei ao telefone com alguém ontem...

- Sim, sim. Pegue nestes que estão aqui, leia e assine se concordar. - interrompeu ela rabugenta. A mulher era magra, devia ter uns 40 e tal anos, tinha cabelo loiro comprido mas não era muito bem tratado, conseguia ver as raízes escuras junto ao couro cabeludo. Dou-lhe um desconto, devem ter vindo centenas de pessoas inscreverem-se e por isso deve estar cansada.

- Obrigada! - dou-lhe o meu melhor sorriso.

Pego nos papeis e sento-me numa cadeira vazia. Ao meu lado estava sentada uma rapariga loira muito concentrada a ler o que pareciam ser uns papeis iguais aos meus. Ela era linda. Cabelo castanho claro, olhos cor de avelã escondidos por detrás de uns óculos de massa pretos que na minha opinião eram bem grandes mas que lhe assentavam bastante bem. 

- Fogo estava a ver que nunca mais acabava de ler isto. De ano para ano acrescentam mais páginas! - disse ela. olhou para mim e eu sorri. - És nova cá? Nunca te vi!

- Sim acabei de chegar. - disse eu. 

- Olá sou a Jessica.

- Emily. Prazer. Estudas cá há muito tempo?

-Estou no segundo ano. Ainda não decidi ao certo o que quero seguir mas espero que este ano me ajude a clarear as ideias. E tu?! já sabes o que queres fazer?! - perguntou ela.

- Sim! Vou seguir economia ou gestão. 

- Muito bem temos aqui uma rapariga de negócios. - disse ela sorrido e eu rolei os olhos sorrindo também.

- É a primeira vez que vais ficar nos dormitórios?! - perguntei.

- Não. já estive por cá o ano  passado mas a minha colega de quarto era uma cabra e pedi para mudar. Quem sabe se não seremos colegas de quarto. 

- Oh. Humm. Pouco provável. Eu pedi um quarto single. Prefiro não dividir quarto com ninguém até me habituar a tudo isto. - Mal ela sabe que quero é evitar que me oiçam quando tenho pesadelos. Agora não são tão frequentes mas por vezes eles voltam. Malditos pesadelos. Adormeço sempre com medo que eles voltem para me assombrar, e quando eles voltam demoram demasiado tempo a ir embora. Comecei a ficar com o coração apertado novamente ao lembrar-me de todas as imagens, dos cheiros, do...

- Esses são muito caros para mim. - interrompeu ela os meus pensamentos e eu sorrio em forma de agradecimento, mesmo ela não sabendo porquê. - Mas espero que pelo menos nos vejamos frequentemente. Tens de conhecer pessoal para te ambientares ao espírito académico.

- Sim claro. Eu vou ficar na Pearce e tu? - perguntei

- Ótimo. Eu também. Podemos sempre encontrarmo-nos na sala de convívio e combinar coisas. Posso ajudar-te com o que quiseres, seja com as aulas ou com o divertimento. Afinal a faculdade é isso mesmo, o melhor dos dois mundos.

- Acho uma ótima ideia. - Realmente a ideia agrada-me bastante. Gostei dela. Parece simpática e ofereceu-se logo para ajudar. - Queres o meu número? Assim é mais fácil entrarmos em contacto.

- Claro!

Após trocarmos os números ela entregou os papeis à rececionista que os analisou e lhe entregou uma chave. 

- Vejo-te por aí! Não te esqueças de mim. Quando souber de alguma festa eu digo-te - despediu-se ela.

-Sim vemo-nos por aí. Obrigada. - forcei o sorriso. Espero bem que ela não me convide para festa nenhuma, além de não ter paciência para festas agora, estou cansada e o meu corpo todo está dorido das horas todas que passei a conduzir nos últimos dias. Quem me manda a mim vir de carro até ao outro lado do país?! Estupida!

****

37A. 37A. 37A. Aqui está. Parei e coloquei a mala ao meu lado. Abri a porta e vi um quarto de tamanho médio com uma cama de solteiro, mas mais larga que o normal, no meio da parece do lado oposto à porta com duas mesinhas de cabeceira. Mas para que raio preciso eu de duas mesinhas e cabeceira? A janela era suficientemente grande para iluminar todo o quarto. A luz era fantástica e o sol a entrar pela janela deixava ver os grãos de poeira a levantarem-se no ar à medida que me movimentava pelo quarto. Do lado direito da cama havia duas portas. Inspecionei e reparei que uma era um pequeno guarda-vestidos e a outra uma casa de banho. Ai que bom tenho uma casa de banho só para mim. Nunca mais me lembrei que poderia ter de partilhar o banheiro com outras pessoas. Um arrepio passou por mim e fiquei grata por ter este pequeno espaço. No quarto tinha ainda uma cómoda castanha escura com cinco gavetas e uma estante logo ao lado. Com certeza que esta última vai servir para colocar os meus livros de suporte às aulas. 

Hoje é Sábado e as aulas só começam na segunda, o que irei fazer até lá? comecei a fazer uma lista mental de tudo o que precisava comprar, produtos de higiene, canetas, cadernos, lençóis para a cama, toalhas, enfim uma lista interminável. Só trouxe roupa para o corpo e mesmo assim não trouxe muita. Decidi deixar tudo para trás.

O meu telefone toca: «Espero que gostes do teu quarto. O meu não é mau, mas ainda não conheci a minha companheira de quarto. Estou com medo XD. Jessica»

Sorri ao olhar para o telemóvel, ela é mesmo querida. «O meu quarto é bastante razoável, e o melhor de tudo é que a minha companheira de quarto é muda. Tenho certeza que não me vai incomodar. LOL»

«LOL» Respondeu ela.

Comecei a arrumar as minhas roupas e alguns livros que trouxe nos lugares que achei mais oportuno. Fui até à casa de banho e decidi que a primeira coisa que iria fazer amanhã de manhã quando acordar era comprar produtos de limpeza e dar uma boa desinfeção nisto, sabia lá eu quem e o que tinha andado por aqui. 

Deitei-me com o computador em cima de mim e quando olhei para o relógio eram 17h. 17h?! Fogo o tempo passou tão rápido. Decidi navegar um pouco pela internet para saber das últimas notícias. Um prédio centenário que ardeu mas não houve feridos ou mortes. Uma mulher que deu à luz 6 gémeos. Fogo. 6?! Acabei por ler um artigo sobre a história de Yale. Já tinha lido tanto sobre esta universidade. Parecia um sonho estar cá.

  

                                                                       ****

  

 O cheiro a suor misturado com cachimbo era-me familiar. Aquela pele seca e quente também me eram familiares. E as dores. Ai as dores eram-me ainda mais conhecidas que tudo o resto. Tentei-me mexer mas não consegui. Estava imóvel. Não sabia como me mexer. Por muito que quisesse só conseguia mover os olhos. A minha respiração estava acelerada. Suor cobria todo o meu rosto e sentia a camisola colada ao meu corpo. Não. Por favor não... Nãaaaaaaaaaaao.

Abri os olhos ofegante, olhei ao redor e tudo estava calmo. Já era noite e ainda tinha o computador ao meu lado. Tinha adormecido. Passei a mão pelo meu pulso esquerdo e respirei fundo.

Fodasse fodasse fodasse. Os pesadelos outra vez não.         

Just BreatheOnde histórias criam vida. Descubra agora