Tornando

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Do Italiano: transitivo indireto e pronominal,

regressar ao lugar de onde saiu; voltar.


Não sei dizer exatamente quando me perdi de mim mesma. 

Lembro-me de estar perfeitamente bem em um dia, com planos incríveis para um futuro promissor e logo em seguida levar uma bela rasteira da vida. Tudo aconteceu como em efeito dominó depois do fatídico dia, eu me encontrei em um estado letárgico profundo e doloroso de querer voltar ao que era antes, mas não saber como. Após semanas tediosas de terapia onde a psicóloga vivia em um monologo eterno, consegui abrir a boca para fazer um único pedido aos meus pais.

— Eu preciso ir embora daqui.

Acho que devido a todo o peso ruim que pairou sobre minha família naquele tempo, eu não fui questionada. Todos estavam desesperados por não poderem fazer muito para ajudar. Minha mãe me agarrou em um abraço firme sussurrando que iriamos recomeçar, que iria ficar tudo bem. E por alguns poucos segundos eu me deixei acreditar na veracidade daquelas palavras.

A gente é o que a gente sente. Vi essa frase uma vez em um filme que não lembro o nome.

Me peguei pensando sobre isso em uma das várias noites de insônia, que eu não era nada... eu não sentia nada. A dor física já havia passado e a psicológica havia se resumido a uma rotina. Acho que foi nesse momento que me afundei mais no vazio, quando aceitei que a dor dos pensamentos era tão normal que fazia parte de mim. Estava a um passo de desistir de tudo sem ressentimentos, mas ver minha mãe chorando no colo do meu pai abriu meus olhos. Eu tinha pessoas comigo, minhas decisões iriam afetar duramente gente que não merecia.  

Um mês e meio foi o suficiente para que partíssemos de volta para ao país de origem da minha família. Itália. Eu amo tudo relacionado a essa nação. Meu irmão costuma brincar dizendo que sou previsível demais e eu não nego. Cresci em casa italiana, com minha nonna regendo a cozinha da melhor maneira possível. Foi dentro daquele ambiente com ela que aprendi duas coisas que levarei para todo o sempre; se sono paffuta è perché mangio bene e que meu amor pela cozinha é a única maneira de espantar pensamentos ruins. 

Meus avós vieram ainda muito novos para o Brasil junto da massa de italianos que tinham esperança de progresso no sul e sudeste do país. Felizmente, conseguiram. Construíram um verdadeiro império no ramo da culinária com restaurantes e confeitarias espalhados por Gramado. Meus pais por outro lado, ergueram uma vinícola belíssima que fabrica vinhos finos e caros, que meu irmão fez questão de administrar. Luigi por ser mais velho decidiu seguir os negócios da família enquanto eu preferi me dedicar a aprender tudo sobre culinária, o que não foi surpresa para ninguém, com a promessa da minha nonna de que assim que terminasse a faculdade eu poderia assumir a rede de estabelecimentos para seguir com o legado da família.

Deixar minha avó no Brasil foi doloroso, ainda mais quando recebi suas palavras de apoio à minha partida. Ela avisou que tudo estaria esperando a minha volta, que era tudo meu e naquele momento me senti o pior ser humano do mundo por querer dizer que eu preferia não voltar. Fugir daquela realidade assustadora que eu me encontrava parecia o certo a se fazer, e eu continuaria achando isso se não fosse pela presença ilustre de uma italiana chata, que é sincera ao extremo, em minha estadia no país. Sandra sempre esteve presente, mesmo quando cada uma vivia em um país diferente. Nossas famílias são amigas e sempre que íamos para Itália em viagens esporádicas para revermos meio mundo de parentes que nunca soube como são tantos, Sandra e eu grudávamos uma na outra como carne e unha. Sempre nos protegemos, mas quando ela viu o estado caótico que eu me encontrava quando desembarquei na Itália, algum tipo de instinto protetor maluco se apossou dela. Ela me levantou todas as vezes que cai e segurou minha mão até o último segundo. 

Quando Encontrei Ela Onde histórias criam vida. Descubra agora