Capítulo 6

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Almacari/1889

DISCURSO NA CASA GERA CRÍTICAS FERRENHAS!

Ontem pela tarde o Senado presenciou o discurso de um de seus mais controversos membros, Etric Fainz. O discurso foi alvo de muitas críticas, especialmente daqueles que buscam uma conciliação entre os poderes e o povo. No entanto, de modo surpreendente, Etric foi popular não apenas com os Senadores mas também com muitos habitantes. A Comunidade Não Humana expressou nessa manhã sua nota de repúdio, afirmando que o Progresso e o Desenvolvimento não serão conquistados com discursos de ordem segregacionistas ou tirânicas. Etric preferiu não se pronunciar aos jornais até o momento. O discurso foi este: "...!".


Os raios de sol o despertaram. Perfuraram as pálpebras e atingiram a íris, onde enunciaram seus dizeres de que a manhã já havia chegado tinha algum tempo. Incomodado, Aldrit abriu os olhos. Pensou em revirar-se na cama e então dormir mais, mas logo descobriu que não tinha mais sono. Ao contrário. Sentia-se impelido a levantar-se e esticar aqueles músculos que por tanto tempo haviam estado parados e inertes.

E foi o que fez. Sentou-se na cama, jogando os braços pra cima e contraindo a musculatura posterior. Enquanto o fazia, olhava os vultos dos prédios em volta através da janela. A arquitetura do apartamento deixava a vidraça voltada ao Oeste, fazendo com que o sol só fosse visto no fim do dia, quando estivesse se pondo, de modo que mesmo sendo de manhã a luz não era suficiente para ser incômoda. Na verdade tornava-se surpreendentemente afável e agradável quando os dias eram como aquele, de céu parcialmente nublado.

Levantando-se de vez da cama, buscou rapidamente, com os olhos, as roupas para encontrá-las não na poltrona onde as havia deixado, mas num cabideiro perto da mesa de cabeceira. A manhã estava quente mesmo depois de ter fechado o sistema de calefação, apertando o botão verde-esmeralda e travando a entrada de ar quente. Sendo assim, optou por vestir-se apenas com a parte de baixo de suas vestes, já antecipando o suor e se prevenindo de um banho diurno.

Aproveitando a boa disposição da manhã, tomou em mãos o jornal do dia, que Letha já havia pegado e deixado sobre a penteadeira, e leu-o diante da janela. O quarto era consideravelmente grande, com uma cama enorme onde até quatro pessoas poderiam caber; uma cabeceira almofadada e um divã falso nos pés, que abria-se num baú onde, Aldrit sabia, Letha guardava itens de família, herdados geração após geração, compunham as partes extras do móvel. E, enquanto lia, Aldrit aproveitava para espiar através da janela o movimento das ruas, atipicamente calmo para uma manhã de feriado. Pensou se alguma das notícias poderiam ter alguma relação e cerrou os dentes contemplando as perspectivas. A cada dia isso fica pior, pensou consigo mesmo, engolindo em seco. Latria e o pai sempre estavam atentos aos acontecimentos políticos, e por mais que não lhe interessasse, acabava por saber muitas das intrigas e dos movimentos que aconteciam no submundo da política. As notícias quase lhe roubaram o humor, mas tão logo terminou de ler, largou ali mesmo o montante de papéis que era o jornal.

Apreciou por um último minuto a vista da rua de asfalto renovado recentemente. Os postes já haviam sido apagados e os prédios em volta exibiam toda a pompa possível para a classe média alta de Nova Nartan. Letha, e Aldrit bem sabia, não se importava com toda aquela exibição, mas os motivos de ter escolhido aquela casa eram tão óbvios ao homem quanto é certo que a água escorre. As fábricas ficavam na extremidade oposta da cidade, de modo que, ao olhar pela janela, pudesse-se ver um simulacro de Nova Nartan, limpa e viva. Aldrit inspirou, parcialmente consternado com a realidade diametralmente oposta.

Se voltando novamente para o quarto, parou em frente da penteadeira e analisou-se. Precisava aparar a barba com certa urgência, na mesma proporção que precisava de comida. O estômago doía enquanto se remexia sob os músculos marcados do abdômen extensamente malhado. Sem paciência para fazer a barba naquela manhã, prendeu o cabelo num coque alto, como tipicamente fazia. Talvez eu deixe a barba, afinal. Um trabalho a menos. Endireitou-se e seguiu para a porta. Sua mão encontrou o frio metal da maçaneta que lhe daria acesso ao corredor. Abriu-a devagar, esperando o pior: que as chuvas de dois dais atrás, quando ele e Belloc haviam chegado de navio, ainda mantivessem o clima frio. Mas, para sua surpresa, foi um vento quente que encontrou quando a porta se abriu para dentro, revelando o não muito extenso corredor. Dando de ombros, avançou, fechando-a atrás de si.

As Brumas de Outono - O Flagelo do Tempo Vol.1Onde histórias criam vida. Descubra agora