capítulo um.

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Acendo mais um cigarro da carteira como se não fizesse diferença alguma. Minha cabeça me manda parar, meu coração garante que é para o meu próprio bem, e meu pulmão pede socorro. Minha avó morreu tem cinco meses e eu ainda não consegui superar. Em cinco meses eu reconheço que vivi as três fases do luto repetidas vezes como se todas elas fossem uma só causando um barulho terrível na minha cabeça.

Primeira fase, negação: após ter dito as falas mais genéricas de todas em um funeral, como por exemplo; "ela foi uma excelente pessoa e uma figura pública melhor ainda","ela estará para sempre em nossos corações" e essas porcarias melosas que qualquer um sem criatividade diria eu fui no corredor mais próximo chorar mas eu não consegui, não fui capaz sabendo que minha mãe estava destruindo o momento da minha avó. Minha mãe sempre teve inveja da minha avó por parte de pai, ela foi tudo o que minha mãe sempre sonhou mas não pôde ser: dubladora, desenhista, atriz, cantora, uma mãe presente, solidária e espontânea.

Minha mãe é amarga, quase como uma ameixa podre encontrada no lixão, essa é a melhor maneira de definir uma mulher narcisista. Tudo que um narcisista quer é confusão e atenção, e meu pai esteve de braços abertos para apoiar minha mãe nessa jornada (antes dela revelar seu monstro inteiror). Quando ela esteva grávida de mim meu pai perguntou se ela poderia guardar segredo até cintar a sua mãe, mas adivinhe? ela fez questão de contar para toda a rua, bairro e cidade que teria um bebê Hepburn, e não demorou muito para que o país inteiro soubesse disso e decidisse estampar nas capas de revistas e jornais: "O bebê Hepburn: uma linhagem de sucesso e poder", e foi assim que minha avó descobriu que seria AVÓ !

Eu poderia passar horas falando de como minha mãe é asquerosa e arrogante, por exemplo, ela fez meu pai que era o único naquela casa que me defendia começar a me odiar, ela criou uma rivalidade (que não existia) entre mim e meu irmão, fez drama no enterro da minha avó se jogando pelo chão quando na verdade ela era a primeira a falar mal da minha avó. Voltando ao assunto do luto, esse primeiro mês eu não chorei nem uma lágrima, virava a noite acordado como se eu fosse um lobo que vivia a base de café e pasava horas pensando sobre o mundo, a vida e por que de tudo isso.

Segunda fase, raiva: quando eu disse que parecia um lobo eu não estava brincando, se pudesse teria mordido todo mundo de tanta raiva. No final do primeiro mês o mal-humor me consumiu e eu não via mais motivo para me comunicar com ninguém, quem me entenderia melhor que a minha avó? Quem me daria conselhos sobre a vida? Quem me escutaria por horas falando das minhas bandas favoritas? Por isso eu não via motivos para que as pessoas viessem falar comigo e vice-versa, por isso eu era rude com todas que tentavam qualquer tipo de aproximação. Na semana seguinte eu fui parar na psicóloga, e uma semana depois ela me passou para o psiquiatra falando que eu precisava de remédio controlado.

Eu perdi toda e qualquer motivação de continuar a vida, eu sei que eu estou falando muito sobre a minha avó mas a história é sobre isso, tá legal? É um diário de luto! Meu psiquiatra recomendou duas pílulas por dia, mas com o tempo eu fui esquecendo das pílulas também.

Terceira fase, barganha: acho que estou presa nela nesse exato momento. De acordo com o Google: Na terceira fase do luto, há uma tentativa desesperada de reaver aquilo que foi perdido; ele está claramente falando de mim. Acho que não será preciso mencionar a quarta fase, acho que eu já estou na depressão do luto faz é tempo.


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  Jogo meu cigarro na grama e piso encima da bituca enquanto observo as ondas quebrarem em Malibu. A casa da minha avó fica em cima de um penhasco e logo embaixo fica a praia, acho que eu nunca vou me acostumar com uma vista tão privilegiada.

all about my grandmother - wolfstarOnde histórias criam vida. Descubra agora