Fiquei paralisada. Susto, medo, espanto. Olhava parte de seu corpo erguida como num espasmo fazendo um ruído desagradável. Uma poeira marrom pairou por instantes no ar.
Havia algo estranho ali. Além da cena de terror descrita.
Eu não estava enxergando! Desesperada, tateava as coisas ao meu redor. Horrorizada levei as mãos ao rosto e embora esperasse tocar meus olhos, encontrei meus óculos.
Havia esquecido que agora precisava deles com mais frequência, especialmente para ler qualquer coisa no celular.
Naquele dia era a receita do bolo de chocolate que sabia fazer de olhos fechados, mas minha neura me fazia conferir passo a passo.
Cada um que administre seus transtornos. Acho que o meu é esse de ficar conferindo tudo, principalmente receitas. As de remédio também. Já pensou se tomo errado?!
O isolamento tem dessas coisas, a gente desiste de tentar disfarçar algumas manias. Algumas agora, sabe lá o que se descobrirá caso essa quarentena vá mais longe. Tipo, o resto do ano.
O que me faz pensar; será que aceito a receita que o médico vem insistindo em me dar para evitar uma crise de pânico? Não, vou de meditação! Por enquanto.
Voltando à cena de horror que me petrificou por segundos, tirei os óculos e enxerguei tudo! Vi o caos. Os óculos nas mãos com as lentes cobertas de pó escuro. Chocolate do padre.
No momento em que a batedeira empinou no suporte, suas pás girando ensandecidas jogaram chocolate em pó pra todo lado. Isso inclui meu rosto, cabelos, pia, armários, louça no escorredor. Essa preguiça de secar e guardar logo! Dá nisso.
Voltando ao crime, digo à batedeira, não conseguia entender! Não era tão velha, como aqueles presentes de casamento que duram muito além do próprio! Tinha o que... Uns cinco, dez anos no máximo? Talvez quinze. Não importa, funcionava perfeitamente!
Tirando o plug da tomada - pavor de choque - prestes a começar a análise da meleca de ovo/farinha e o precioso pó marrom notei a ausência do transformador. Tudo em casa é 110 e mudei para Santa Catarina, que é 220. Liguei a batedeira direto na tomada 220. Matei a coitada, que até tentou funcionar, viu que não dava, empinou a carroça e mandou ingrediente de bolo pra todo lado.
Liguei para aquele a quem conto minhas glórias e infortúnios. Contando minha tragédia culinária, perguntei:
- Como é o nome desse negócio...
Interrompendo minha pergunta mandou na lata:
- Burrice
É, a gente tem essa sinceridade recíproca, mas a resposta correta era voltagem!
Era esse termo que tinha esquecido. Inclusive a voltagem da batedeira.
Matei a coitada.
E chocolate do padre não tá barato, mas é perfeito, eu que ganho pouco.
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Crônicas de Humor ou Desespero
HumorQuando a situação torna-se desesperadora, talvez o humor salve... Se não salvar, reze, faça promessa, finja que finge demência. Eu tenho escolhido rir de mim mesma, ainda acho mais prudente.