Cecília vivia sozinha, tinha em seu peito um peso, ela nunca se sentia aceita, não importa o que passasse nem onde ia, Cecília nunca se sentia aceita, ela era carente, era inocente, era apenas a Cecília.
Quando era pequena ganhou de sua mãe um Narciso, aquele Narciso não era um Narciso comum como os outros, ele era único, especial e por vezes... Acredite se quiser, ele e Cecília conversavam bastante e com o tempo os dois se tornaram inseparáveis, o Narciso fora alojado em um vaso pequeno de cor marrom ele era um vaso normal a princípio, mas Cecília ansiosa para que seu Narciso se sentisse bem tinha pintado o vaso.
A pintura era verde, com detalhes azuis e com desenhos de pequenos Narcisos ao redor e a borda do vaso tinha sido pintada de dourado, seu Narciso era orgulhoso e ela sabia como agrada-lo, por onde quer que andasse ela o levava, tornaram-se inseparáveis.
- Ora, não é lindo esse pôr do sol?
- Cecília, você tem que parar com essa mania de se surpreender com tudo.
- Você não quer contemplar o belo?
- Ora sua pirralha, EU sou o belo.
- Você? Você é um orgulhoso sabia?
- E você é uma bobinha que só sabe reclamar e choramingar. Cecília, a chorona.
- Ora seu... Você é....
- Perfeito, belo, lindo e outros adjetivos que sua mente não sabe.
- Ahhhh.... Você me irrita as vezes sabia?
- Então por que anda comigo pra tudo quanto é lado?
Cecília baixou a cabeça, ele sabia como irritá-la, mas ele tinha razão, ela não conseguia sair sem ele pra nada, ela o levava até pra comprar pão.
- Ah, quer saber? Eu gosto de você!
- Como não gostar amada?
Com o cair da noite, os dois tomaram o rumo de casa, Cecília sempre andava pelo mesmo caminho e comprava as mesmas cruzadas.
- Você é criança por um acaso?
- Não, eu só gosto de cruzadas.
- E tem que ser a mesma todo o dia?
- Se eu quero que seja assim, então que seja.
Com a bondade de Cecília ela não via maldade em ninguém, ao contrário do Narciso que sempre a alertava de novos perigos.
Um dia, no caminho do jornal um jovem acabou esbarrando na garota e em sua flor.
- Ah, eu sinto muito - Dizia Cecília.
- Tudo bem. - Respondeu o rapaz - eu sinto muito viu? Não queria incomodar você, você está bem?
- Estou sim! — Cecília olhou para os lados e não viu seu vaso perto dela — Onde está?
- Você está bem?
- Onde está meu vaso? Onde está meu Narciso?
- Ah, você quer dizer isso? — O jovem estava mostrando a Cecília seu vaso, dentro dele estava o Narciso meio murcho.
- Ah meu Deus! Meu Narciso!
- Ah, minha cabeça, estou ficando tonto! Por falar nisso... Sua tonta!!!! Me leve daqui, eu não gostei desse rapaz, ele não me cheira bem.
Cecília pegou seu Narciso da mão do garoto, ela parecia estar tórrida com aquilo. Mas, quando pegou o vaso ele segurou a mão dela com força.
- Onde você vai?
- Desculpe, tenho de ir.
- Você não vai a lugar algum Cecília, há muito tempo ando observando você fazer a mesma trilha de sempre, sem ninguém, sem amigos, sem nada, não foi difícil descobrir quem é você e muito menos descobrir que você não passa de ninguém querendo carinho... E a única coisa que você tem é essa flor ridícula.
Cecília só conseguiu gritar rápido, o garoto pôs a mão em sua boca, o vaso caiu, o Narciso não podia fazer nada, só podia gritar junto com ela. Em uma tentativa de se desvencilhar do agressor Cecília correu em direção a trilha novamente, ela estava tremendo com as mãos suando e tremia muito, ela estava com medo, queria chorar, mas tinha guardado o fôlego para correr.
- Sua vadiazinha! Volte aqui!
O Narciso olhava a cena de seu vaso, ele tentou correr, mas não podia suas raízes estavam fixas no vaso, ele via angustiado a cena enquanto Cecília tentava dar a volta. Por um segundo ela achou que conseguiria escapar, seu agressor tirou uma faca do bolso, era uma faca de caça, ele havia sonhado com aquele momento desde que tinha visto Cecília sair da banca de jornal dois meses atrás, mas no frenesi ele não reparou no que estava fazendo enquanto estava em cima dela.
Cecília já estava morta, havia mais facadas em seu estômago do que qualquer outra vítima dele, ela havia se retraído em posição fetal segurando um vaso. Ela protegeu seu Narciso e ele estava petrificado com aquilo.
Seu corpo foi encontrado dois dias depois com o vaso na mão, o assassino não teve o trabalho nem a sensibilidade de esconder. Ela foi enterrada no dia seguinte a seu achamento, sua mãe achou que seria melhor enterra-la e plantar o Narciso em seu túmulo, mesmo que ele estivesse murcho.
Enquanto estava plantando ele ela perguntou:
- Por que você está tão triste? Sempre que ela falava alguma coisa você era tão duro, mesmo que você parecesse grosso ela sempre levava você pra onde quer que fosse, você foi o único amigo que ela teve e mesmo assim era sempre rude, e agora, você está aí, murcho, sem cor, seu orgulho se foi e você não fala nada desde então.
- Eu a amava, amava mais que tudo, esse era meu jeito de cuidar dela, se ela não visse maldade em ninguém eu estava lá para ver, mas... No final eu não pude evitar... Eu não a protegi, eu só pude vê-la morrer e dê certo modo eu morri junto com ela.
- Entendo, esse era seu jeito de amar não é?
- Sim, ela reclamava mas no fundo ela sabia, eu a amava e fazia de tudo para cuidar dela. Ela era a minha Cecília...
- Você sabe que sem cuidados você vai morrer aqui não sabe?
- Eu já estou morto.
Com o passar dos dias o Narciso foi morrendo, sem ter quem cuidasse dele ele foi mudando e murchando cada vez mais, até que ele sentiu a morte chegando...
- Cecília? Veio me buscar?
- Seu bobão, eu sempre estive aqui.
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Contos para ler após a meia noite (CONCLUÍDO)
Short StoryContos que irão explorar a tênue linha entre a realidade e o sobrenatural. De romance a mistério, nossos personagens serão surpreendidos pelo inusitado...