Meus Olhos...

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Andando pelo sertão, há muitos vaqueiros que se aventuram pelo Brasil percorrendo quilômetros de distancia, movendo o gado de um lado para o outro. Luís era um desses vaqueiros, era o cabra macho com C maiúsculo e dizia não ter medo de nada, pobre Luís… Em uma de suas andanças parou perto de uma pequena vila, onde havia pequenas crianças e velhos que esperavam os
mais novos voltarem do trabalho árduo enquanto olhavam os mais novos.
Era de tardezinha e Luís estava cansado, logico que ele não tinha medo de ir à noite, porém, ele encontrava-se bastante abatido do dia de trabalho árduo. Com a esperança de encontrar hospitalidade, Luís bateu na porta do pequeno casebre e uma das crianças o atendeu.
- Sim?
- Tem adulto em casa?
- Oh, Vô!!!!!!!!!
- Não grita peste! Eu sou velho e não surdo!!! – De dentro da casa surgiu um senhor, na faixa dos 70 anos de idade, ele era pardo, sua pele era queimada do sol que o castigara durante a maior
parte da juventude e da vida, tinha olhos castanhos e sua coluna fazia um pequeno arco dando-lhe
mais ainda a aparência de matusalém, os dedos enrugados e a magreza completavam sua aparência que contrastava o ambiente.
- Boa tarde sinhô!
- Algum problema?
- É que eu estou a trabalho, eu sou peão das redondezas, tô cansado e já andei de mais!
Queria um canto pra passar a noite. Não me importo com coisa chique só quero um teto pra me cobrir e parede pra me proteger.
- Hum – O velho semicerrou os olhos, parecia não acreditar muito, parecia desconfiado, é
claro que não daria nada de graça para um desconhecido.
- Eu pago, não muito, mas pago.
- Acho que não sou barato, nem tô a venda, acho que… Hum, num sei não.
- Por favor! Eu só quero passar a noite sinhô, eu iria se não tivesse tão cansado.
- Tu ia andar no sertão? Por essas bandas? De noite?
- Ah, eu não tenho medo de nada não.
- Pois deveria ter sô! Olha, como tu parece corajoso eu vou deixar tu ficar, mas olha, é só essa
noite.
- Obrigado sinhô!
- Entra ai rapaz.
Luís ficou feliz com aquilo, era sem duvida uma boa noticia, certeza de que iria ouvir uma
historia assustadora relacionada a uma lenda das redondezas e pronto, mas aquilo era coisa de velho, era só um monte de baboseira que Luís sabia que não era verdade, não passava de historinha pra fazer a criançada se quietar.
- Obrigada sinhô.
- Meu nome é Zé.
- Brigado seu Zé!
- Não liga pras criança, eles são peste quando querem.
- Se preocupe não, eu cresci com mais sete irmão, sempre vivi na fuzaca.
- Mas qual teu nome?
- Meus nome é Luís.
- Se acomode ai Luís.
O casebre era modesto, tinham alguns moveis de madeira, uma cadeira simples e uma mesa de plástico, não tinham eletrodomésticos, havia um pequeno forno a lenha tão simples quanto o chão
batido, a casa era dividida em duas partes, no primeiro cômodo ficavam redes atadas, uma mesa
simples com cadeiras de plástico e em cima da mesa haviam copos e pratos de alumínio, no segundo cômodo ficavam apenas o forno a lenha e uma estante de madeira em que muito provavelmente guardavam as roupas, em cima da estante ficava um pente e um espelho simples, mas, grande. Ao lado do forno havia uma prateleira com algumas panelas e pratos de alumínio.
- Tu pode dormir numa rede que fica do lado da minha, mas se eu desconfiar de algo, te meto
bala.
- Obrigada, prometo, não vou fazer nada e prometo que pago a estadia.
Com o passar da noite e depois do jantar de canja Luís começou a ouvir as historias do velho, ele iria ouvir por educação, mas não queria, queria dormir, como não estava em condições de não escutar e ele sabia que poderia ser interpretado como falta de educação não ouvir ele preferiu escutar a pequena “historinha”.
- Tu ia andar por essas bandas de noite?
- Eu já andei muito a noite por esse sertão.
- Mas não por essas bandas ne?
- Ainda não tinha andado de noite por essas bandas não, até porque nunca precisei andar tanto, mas como um colega passou mal eu precisei ficar no lugar dele, mas vai ser só por essa noite, mas nunca tive medo de visagem não.
- Tu não acredita né?
- Ora seu Zé, com todo respeito, pra mim isso é coisa que os mais velhos fazem pros mais novos só pra eles não tarem correndo de um lado pra outro e pra não tarem andando que nem lezo por esse sertão grande.
- Pois eu vou te contar uma historia, ela aconteceu de verdade por aqui, por isso, quando fica
de tardezinha ninguém sai de casa nem anda muito longe. – Luís assentiu com a cabeça, é ele teria
que ouvir uma história – Há uns oito anos atrás tinha um peão que tinha uma filha, ela era bonita que só, tinha cabelo preto e gostava muito de andar a cavalo, ela gostava de pegar o cavalo do pai e sair desembestada, ela só voltava de noite pra casa, ela ate levou uns tapa do pai, mas não aprendia nunca, o nome dela era Lili, era uma menina formosa mas também era ligeira pra pegar o cavalo do pai. Um dia a Lili demorou pra chegar em casa, já tava de noite e o pai dela resolveu sair pra procurar ela, aqui perto tem uma arvore grande e velha e embaixo da arvore tem uma pedra grande também, pois a menina tava lá, parece que o cavalo vinha a todo galope quando uma cobra assustou ele e a menina caiu e bateu a cabeça na pedra e pra interar o cavalo, assustado com a queda e com a bicha da cobra pisou na cabeça da menina e os olhos dela saíram da cabeça, ela ficou com o olhar vazio e a pedra e o troco da arvore tava tudo cheio de sangue, coitada da menina. O pai não conseguiu superar a morte da filha e dois dias depois do enterro parece que se matô, desde então, quando alguém sai de noite ouve a menina gritar e perguntar dos seus olhos, e se tu não der ela te leva, tu tem que negociar com ela dizer que tem os olhos dela, deixar debaixo da pedra e pedir uns três minutos que depois desse tempo os olhos dela vão tá lá, ai da tempo de você ir embora.
Depois do conto (de coisas de velho), Luís se deitou, ele iria pegar umas coisas se arrumar e iria pelo final da tarde, ele não precisava contar ao velho que iria a noite se não ele ia encher o saco
dele.
Pela manhã Luís saiu, pagou e agradeceu.
- Obrigado seu Zé.
- Toma cuidado peão, cuidado com a garota morta.
- Tem que ter medo dos vivos seu Zé. – Luís ainda tinha trabalho a fazer, pegou as coisas, comprou comida, resolveu o que tinha de resolver e a noitinha foi tomando o rumo.
Era frio, ele ia só... Andando na trilha, besteira de conto, ele não iria teimar com ninguém
mas também não acreditava na história, já tinha andando quase todo o sertão, ele tinha que ter medo dos vivos, assombração não fazia nada.
Depois de mais alguns minutos Luís avistou uma arvore, seca, velha, curvada, embaixo dela havia uma pedra pontiaguda e enorme, parecia ser a lenda da garotinha. – Besteira! – Pensou Luís,
ele cavalgou e apertou mais o passo, não queria ficar lá, não porque o velho tinha razão, mas porque era mesmo um lugar sinistro. Quando ele acelerou mais o passo do cavalo ele se assustou com algo e o jogou longe, ele havia batido a cabeça na pedra, não era tão grave mas estava sangrando.
- Diabo de cavalo de merda! – Luís pegou o cavalo pelo freio e o puxou para perto dele, mas o cavalo estava petrificado de medo, seus olhos estavam fixos em uma figura, uma figura macabra
que estava parada, era uma menina de cabelos pretos e lisos, os cabelos estavam caindo na cara e não deixava ver seu rosto. Luís lembrou da lenda, a garota estendeu a mão para ele.
- Você poderia me dar meus olhos?
Luís engoliu o seco, era a garota, não, só podia ter batido a cabeça bem forte, era uma alucinação certeza que era. Ele tomou coragem e lembrou do que o velho disse.
- Seus olhos?
- Você poderia me dar meus olhos?
- Olha… Eu acho que… - No momento em que pensou em falar um hálito quente percorreu
sua nuca, a garota estava atrás dele se apoiando em sua coluna.
- Eu quero meus olhos! – Ela era horrível, Luís estava petrificado tanto quanto seu cavalo.
- Eu tenho sim.
- Me dê agora!
Luís lembrou das bolinhas de gude que sempre levava consigo, eram do seu filho e ele dizia
que seriam o amuleto da sorte do seu pai. Quem bom que tinha as bolinhas, ele enfiou a mão no
bolso, olhou para a garota e com as mãos fechadas disse.
- Estão aqui, mas vamos fazer um acordo, você precisa ir se esconder por três minutos ai eu
coloco seus olhos embaixo daquela pedra e quando passarem os três minutos você pega eles, o que
acha?
- Meus olhos vão estar lá?
- Vão sim! – A garota sumiu instantaneamente, Luís correu em direção a pedra e colocou as
duas bolinhas de gude embaixo dela, subiu no cavalo e se preparou pra ir. Só que, o cavalo já não
estava saindo do lugar. Luís bateu, usou o chicote, puxou os freios e nada.
- Cavalo maldito! – Ele não queria sair do lugar, o tempo já estava passando, não era hora de
ficar daquele jeito, Luís estava atônito, era uma droga. Já havia se passado cinco minutos? Não era
possível, seu corpo começou a tremer, ele começou a ficar frio e um grito estridente rasgou a noite.
Era a menina, ela havia olhado em baixo da pedra. Não, isso não! Luís não estava acreditando na
sorte de merda que tinha, ele tentou sair do lugar mas não saia, ele olhou para baixo e ele estava no
chão, o cavalo não estava lá. Era só ele e a garota.
A menina estava perto dele, ela o envolveu em seus braços e o agarrou por trás, sua coluna
gelou, ele olhou para a pedra de novo…
- AHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH!!!!!!!!!!!!!!
- Meus olhos, onde estão?
Luís olhava o próprio corpo estirado no chão, ele havia caído e batido o crânio na pedra, seu
encéfalo saia de sua cabeça como massinha de modelar, o cavalo devia ter pisado nele e o cérebro
saia do crânio, ele estava morto, estirado no chão, pronto para virar comida de urubu pela manhã, ele não podia acreditar no que estava vendo, ele estava morto, seus olhos se esbugalharam enquanto a garota o puxava para dentro da terra.
- Meus olhos… Onde estão meus olhos…
- AHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH!!!!!!!!!!!!!!

Contos para ler após a meia noite (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora