Hades: Alma Azul

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Hades ㇐ Mundo Inferior

Alma Azul

Não consigo permanecer sentado, meu corpo está a protestar, estou na mesma posição há mais de duas horas; estou a espera de uma alma digna da minha atenção, de um alguém que roube a minha atenção, fazendo-me encontrar um motivo, razão, para o meu tedioso trabalho. Para permanecer sentado sobre o sólio, um pretexto para continuar dentro do enorme salão. A sala vazia, quente devido as chamas existentes no mundo inferior, o chão chamuscado, as paredes pintadas de preto com a pintura degradada devido a falta de manutenção, cuidado, sentado sobre o trono ao lado de cães infernais; não à nenhuma mulher, amante, tudo aqui se resume ao murmúrio dos mortos, as suas lamentações e chorumelas. O da grande sala, o teto alto tornou-se meu foco, velho, sujo coberto por cinzas, nem ao menos consigo diferenciar a pintura da sujeira, do desleixo por parte de mim em relação ao salão, para a sala onde o trono está, a cadeira de estofado confortável, de ferro pintado de preto, afinal não há razão para deixar esse lugar colorido, com qualquer pigmentação que fuja da escala negra. Não há almas dignas de qualquer misericórdia neste lugar, todos são mandados por mim diretamente para o seu tormento, todos são pecadores, os de alma heróica não chegam ao limbo, jamais caem no esquecimento, tornam-se parte da história, diferente de mim, que mesmo sendo um dos três grandes não tem um lugar luxuoso, coberto por ouro e coloração vibrante, a coisa mais diferenciada existente nesse ambiente fechado é o brilho das chamas que queimam no lado de fora. Estragando o castelo, deteriorando a construção milenar.

Não existe qualquer animação, somente dor, lamento, nada além de um conglomerado de blocos ardentes, onde almas queimam e pagam seus pecados. Juntamente com todo o lixo trazido com elas durante a sua vida mundana, quando ainda tinham 'liberdade'. Murmurou, levantando-me, saio, caminhando em direção às portas velhas, gastas, as dobradiças se movem com lentidão, o rangido feito por elas irritam os meus ouvidos, causando desconforto em meus tímpanos.

Uma nova alma chegou, o barqueiro mando-a para mim no momento em que ela chegou, pois quando atravessou os portões e a sua luz não cessou. Sua alma continuou brilhosa, com uma aura clara, pura, sem marca de corrupção, não sem a matização de preto e vermelho; curioso vou até a enorme porta, parando próximo às margens do rio Estige [o rio dos horrores], fico a espera da barca, esta que carrega a alma 'imaculada' que acabou vindo parar no mundo inferior. Os Cérberos não se manifestaram, depois que os alimentei quando acordei, eles nem ao menos se agitaram, latiram ou tentaram vir até mim, forçando as correntes. Muito menos quando uma alma chegou, está tão diferente das outras.

㇐ Caronte? ㇐ O chamo, ele mantém seus olhos focados na mulher, no brilho azulado, ela não tem uma alma heróica; apesar de não ter nenhuma corrupção nela. Nunca tinha visto uma alma nesta cor, pelo menos não no mundo inferior, afinal elas nunca chegam aqui!

As de cor dourada, são consideradas heróicas, ganhando o direito de juntar-se aos deuses.

As de cor rosa, são as almas que ao passarem pelo julgamento ganharam o direito de reencarnar, voltar ao mundo dos vivos.

As vermelhas e pretas são condenados, estão sentenciadas ao sofrimento, a queimarem no fogo intenso, incessante, do 'inferno'.

Todavia almas azuis são raras, elas têm o direito de renascer, ao mesmo tempo em que podem renascer; nunca vem para o inferno, vão direto para o Olimpo, onde se juntam aos deuses. São almas que não cometeram nenhum pecado grave, que viveram a vida seguindo princípios de amor e carinho, afeto e amizade. Estas são almas que morreram antes da hora, no momento errado, indevido, por isso tem essa coloração; todavia é raro tal erro ser cometido, nenhum fio é cortado sem motivo, a morte de todos os seres vivos acontecem de acordo com a sua história.

㇐ Quem é você? ㇐ A mulher questiona ao me avistar, com as vestes decrépitas.

㇐ Creio que deveria ser eu a fazer essa pergunta, afinal almas azuis não vem para o mundo inferior. Por isso, me diga o seu nome, idade e causa da morte.

㇐ Eu não sei qual é o meu nome? Nem como cheguei aqui, a última coisa que lembro é te ter visto você! ㇐ Apontou para mim, incrédulo digo a ela que não, impossível ela ter me visto, pois tem mais de sete séculos que não saio daqui.

Desde a última vez em que me envolvi com uma mortal, uma parte da história que ficou ocultada dos livros, não contada pelos deuses do Olimpo. Afinal não foi um fato a ser vangloriado, pois minha amada despediu-se de mim somente com a chegada da velhice, durante o período do governo do Xogum Ashikaga Yoshikatsu (1442-1443), na época da reunificação do Grande Japão.

㇐ Isso é improvável, pois têm anos que não saio do mundo inferior, por isso humana, me diga o seu nome e como morreu! Antes que eu solte Cérberos, anda diga! ㇐ Grito. Meu corpo se move, faço menção de segurar o meu braço.

Paro recuando, dando alguns passos para trás, arrumando o manto sobre meu ombro, tento manter a compostura, apesar de recluso, ainda sou um deus, devo me portar como tal. Não perder o controle e nem cometer um ato impensado.

Além de não ser permitido tocar em almas azuis, principalmente se tiver um coração impuro, se eu o fizer irei deteriorar sua alma, tornando-a negra. Isso é algo errado, afinal ela não cometeu nenhum crime, as chamas infernais não são a sua última parada.

㇐ Já disse não me lembro! ㇐ Exclamou. ㇐ Acredite em mim quando digo que não me lembro, juro senhor, não estou a mentir.

Encaro a alma, para a mulher de vestes brancas e olhos prateados como a lua, como se fossem a personificação de Selene, tão belos quanto o céu, onde meus 'familiares' vivem.

㇐ Pelo menos o seu nome, pelo menos me diga que se lembra disso ㇐ digo cansado, meus olhos estão pesados, minhas pálpebras querem se fechar, deixando-me entrar no desgostoso mundo dos sonhos.

㇐ Lamento senhor, mas não lembro de nada.

Tento conter o meu aborrecimento, pois os meus dias tediosos acabaram de ganhar uma nova diversão.

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