Capitulo 1

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Era chegada a hora em seria convocada à passar de "Estoque" para "Funcional". Naquela noite todos, sem exceção, entraram em modo de hibernação. Era algo que faziam todas as noites, quase irracionalmente. Mas, por alguma razão, ela não o fez. Em seu íntimo, desejava ouvir o modo como os pensamentos fluíam em sua mente. E de todas as sensações que surgiam com eles, notou que uma permanecia. Como se algo invisível a contraísse dentro do peito e forçasse seus pulmões a trabalharem mais rápido. Notara as mãos um tanto trêmulas, estava nervosa, não poderia estar. Era um defeito que, devido ao treinamento que obtivera, deveria informar naquele mesmo instante, contudo, sabia que se o fizesse deixaria de existir, e esse era seu único medo, deixar de existir. Isso era o tipo de coisa que sua mente tão lógica não compreendia de si mesma. Porque sentir medo de fazer o que sempre fora treinada para fazer?

"Unidade 'V8I279' não conectada ao estado hibernação. "

O tom robotizado daquela frase ecoava por todo corredor. E a luz vermelha em sua cabine cegava seus olhos. Eles não poderiam danificar um espécime tão raro, selecionado a dedo para ser o novo AdMaster. Ela sabia disso. Seus olhos se fechavam lentamente, assim que mascarado à sua frente a fecha em sua cabine.

Naquela manhã ela fora despertada e junto aos outros modelos seguiu pelos corredores. Como todos naquela fileira, ela não conseguia transpassar através de sua face o que sentia. Seus olhos profundos e negros, passeavam pelo local enquanto era guiada por mascarados até o destino.

Ela não reconhecia aquele setor, não fora autorizada no passado a transitar por ele. Era onde os Utopianos, responsáveis em liga-los, ficavam quando desciam. Eles eram tão diferentes, suas roupas alinhadas e negras contrastavam com o uniforme branco que ela sempre usara. Pareciam tão vivos, e eram tão distintos entre si. Um homem alto e robusto de cabelos grisalhos e uma mulher de cabelos castanhos e curvas que eram desenhadas por suas roupas, que se destacavam entre os Operadores que os serviam.

Um a um, os modelos eram chamados para serem ligados. Ela observava o momento em que ambos os Utopianos intercalavam à seleção desses modelos, que saiam de sua formação e se colocavam diante deles.

"V8I275..."

"V8I276."

Dos aparelhos sobre a mesa ao lado, pequenas hastes cromadas que se assemelhavam a canetas, recolhia-se um específico para cada operador. Erguendo a mão direita o modelo revelava um símbolo transparente em sua pele que, ao toque da haste ganhava uma coloração azulada, sinal de que passara a ser funcional.

"V8I277..."

"V8I278."

Ela estava ansiosa, mesmo que seu exterior ainda transpassasse seriedade. No breve silêncio que antecedia sua convocação, ela se perguntara, ao observá-los distante, se algum outro modelo sentira o mesmo que ela sentiu naquele momento.

"V8I279."

Ela notara o instante em que seu aparelho fora selecionado, em que a utopiana o retirou da mesa. Havia algo diferente nele, algo que pulsava sob o vidro transparente. A haste lhe tocara a palma e a picada incomoda não lhe tornara funcional, no entanto, escalou em uma dor que lhe tomara o corpo inteiro. Ela permanecia em silêncio enquanto sentia seu corpo queimar.

Seus olhos brilham lustrados pelas lágrimas penduradas sob seus cílios e seus joelhos despencam no chão. Paralisada, ela respira lentamente e, pouco a pouco, a dor diminui ao passo de assemelhar-se ao simples latejar de uma picada de inseto.

Uma mão envolta em luva toca-lhe o queixo, a utopiana lhe ergue o rosto.

"Está vivo."

Seus olhos verdes a analisam friamente seu rosto. Olhos que a remetiam a uma estranha e familiar sensação. Mais um defeito, conclui ao anormal ritmo das batidas de seu coração.

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