Capítulo 4

12 0 0
                                    

Cada sarda em sua pele, cada cacho em seu cabelo, cada detalhe em seu corpo demonstra o trabalho impecável que replica com perfeição uma rara mutação humana. O desequilíbrio no gene mc1r que resulta em maior produção de feomelanina. Um trabalho caro e desejado.

Atrair olhares era inevitável junto a um modelo como aquele, e tal escolha aumentaria a probabilidade de ser identificada, de seu defeito ser identificado. Mesmo tendo ciência de tais riscos, ela o induziu à segui-la.

"A quem sigo? "

Trêmulo, o modelo consorte envolve os braços em si na tentativa de aplacar o frio, este que se torna cada vez mais forte à medida que se aproximam do porto.

"De que maneira me refiro a pessoa que me libertou? "

"Não o libertei. "

"Me tirou de uma prisão sufocante e escura, de que chamo este ato se não libertação?

"Seu utopiano a descartou. Você é um Defeito, está fadado a ser destruído. Não o libertei, estou apenas adiando o inevitável."

O modelo diminui os passos e ela logo nota sua excitação. Há poucos metros do porto, abismo que separa a Utopia do coliseu da barbárie, o operador cessa os passos. Seu semblante recai e seu olhar se perde entre os cachos. Os braços envolvidos em si com ainda mais rigidez.

"Ele parecia estar tão... confuso... "

"Este operador apresenta baixa em temperatura corporal. "

De sorriso amigável um operador se aproxima. Em um de seus olhos há uma espécie de lente esverdeada alocada. Seus olhos miram o modelo que a acompanha.

"Creio que não deseje que sofra maiores danos. Se me acompanhar garanto oferecer uma solução para este problema. "

Ela sente o bracelete sob o pulso de seu sobretudo. Sobretudo que oculta as marcas que denunciam seu status de operador. Marcas expostas pela fina lingerie que recobre o modelo consorte.

"Mostre-me. "

...

O estranho operador os guia ao conjunto de cabines próximas a estação de transporte. Ele se posiciona próximo à uma delas e repousa uma das mãos sobre o painel lateral. Um modelo surge na tela, este possuindo as exatas medidas daquele que a acompanha. Aos poucos, seu corpo era envolvido por vestes adequadas à fria noite. Um casaco de penas amarelo com detalhes em vermelho e verde, calça azul, luvas pretas com detalhes brancos, gorro vermelho e botas amarelas compõe a tela.

"Acredita que Lio tenha me descartado? "

"Não sei se devo responder a essa pergunta. "

O operador continua a vasculhar entre as peças.

"Ele não desapareceu quando abri os olhos, Lio não é como os outros. "

"Outros... "

Fora resetado diversas vezes e, no entanto, ainda guardava em si registros de antigos donos. Guardava ruídos, o defeito que o tornava incapaz de cumprir sua função.

"Não seria capaz de me abandonar de me destruir. Lio me ama. "

Um sobretudo azul acinzentado, calça preta, gorro cinza claro, luvas e botas pretas compõem a tela.

"Preciso encontrá-lo. "

"Acaso este lhe agrada? Seu perfil revela preferência à composições neutras. "

Ela acena positivamente com a cabeça.

"Para prosseguir com o atendimento o modelo deve ser alocado à cabine. "

O modelo consorte então adentra a cabine que, ao ameaçar ser fechada, o faz recordar da prisão que o sufocara instantes atrás. Suas mãos agarram com força o operador à sua frente.

"Para prosseguir com o atendimento o modelo deve ser alocado à cabine. "

Seus olhos perdidos à encontram.

"Irá ajudá-lo a proteger-se do frio. A encontrar a quem procura. "

O modelo recolhe o braço e a cabine é fechada.

"São 953 créditos. "

Ela aproxima o bracelete do painel e uma azulada sinalização confirma a transação. Ao afastar o bracelete uma tela se projeta em seu pulso.

Catálogo 33

Moda inverno n°28

Saída 17/02/5515

23:27:07.44

Neste mesmo momento a cabine revela o modelo em suas novas vestes.

"Agradecemos pela confiança em nossos serviços. Volte sempre, Diretor. "

Ela segue para estação junto ao modelo consorte que permanece à seguí-la.

"Vi. Chame-me de Vi. "

"Obrigado, Vi. "

...

Na estação, Vi utiliza a chave mestra para ter acesso a uma das naves de transporte. Oito colossais estruturas elípticas posicionadas à beira de um precipício.

O status de Diretor à direciona à uma sala particular. Salão adornado em branco e dourado, vista panorâmica e suntuoso banquete.

O modelo se acomoda ao sofá enquanto Vi observa atentamente o coliseu se aproximar. Seus olhos brilhantes refletem as luzes para além do vidro.

Um rouco e agudo guinchar ecoa o salão.

Ao notar a origem do som, a garota defronte à janela. O modelo se ergue e lentamente segue em direção ao choro.

"Vi? Você está bem? "

A garota move uma as mãos contra o peito e, ao se virar, revela o animal que escondera sob as roupas.

"Creio que esteja com fome. "

O modelo observa o pequeno enquanto ele é alimentado por Vi, hipnotizado por sua colorida pelagem alaranjada com listras azuladas ao topo da cabeça.

O peludo animal suga o leite levado até ele através de uma pequena colher de sobremesa.

"O que ele é? "

"Mamífero, código mg3-8. "

"Mamífero... é assim que o chama? "

"Não o identifico por um nome. "

"Talvez precise de um. "

O modelo acaricia as listras em seu pelo enquanto o animal busca refúgio em sua palma, seu corpinho se acomoda e Vi vê o momento em que o modelo sorri ao sentir sob seus dedos o macio pelo do pequeno...

"Mika. "

"Mika... É um belo nome. "

Seu olhar se volta ao coliseu enquanto o modelo permanece interagindo com Mika.

Ela não sabia ao certo o que faria quando o encontrasse. Baixa era a probabilidade de ainda haver algum ruído em seu sistema, algo que o tornasse o Defeito que faria com que sua jornada tivesse algum propósito.

"Desembarcaremos em quinze minutos. "

Avisa o operador diante da porta.

...

UtopiaOnde histórias criam vida. Descubra agora