❛ 𝑷𝑹𝑰𝑴𝑬𝑰𝑹𝑨 𝑪𝑨𝑹𝑻𝑨

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𝑷𝑹𝑰𝑴𝑬𝑰𝑹𝑨 𝑪𝑨𝑹𝑻𝑨 

Eu não consigo acreditar que estou fazendo isso, e sinceramente, acredito que estou fazendo errado. Deveria começar com "Meu querido, Noah", mas acho que isso é muito falso, principalmente para nós dois – passamos todo o nosso relacionamento zombando as pessoas que se chamavam por apelidos carinhosos e eram melosas, então grande hipocrisia a minha, não?

Minha psicóloga disse que deveria escrever novamente sobre os assuntos que me inspiravam antes de virar a pessoa amarga que sou agora, e para ser sincero, você era a minha musa, quem me inspirava e deixava todas as minhas obras melhores. Cada verso, cada pequeno ritmo, cada pequena sílaba escrita no papel, tudo era fruto de minha imaginação quando olhava para seus olhos verdes e brilhantes. Tenho saudades das vezes que conseguia preencher folhas e mais folhas com coisas felizes pois isso era tudo que tinha dentro de meu coração.

Não era assim contigo, certo?

Às vezes me pego pensando no passado e nos tempos que passamos juntos, me repreendendo por tanto pensar em momentos que não podem e nem vão voltar. É como uma realidade totalmente diferente, um sonho a qual acordei e simplesmente queria ter continuado a dormir. Noah Jacob Urrea, definitivamente um sonho tornado realidade – até mesmo suas falhas eram perfeitas, como uma grande obra de arte que nenhum homem conseguiria alcançar.

Seus olhos eram como duas esmeraldas e ainda parecem assombrar minha mente, aparecendo até mesmo quando estou acordado, à base de meus remédios e energéticos que definitivamente não deveria estar tomando em meu estado de mente. Apenas ignoro qualquer sintoma que parece me fazer mal e sento na frente da merda do meu computador, olhando para a página vazia do Word que, anos atrás, estaria cheia de metáforas e pequenas frases que eram sinônimos para você.

Poderia parar de me bater constantemente pelo que aconteceu – Taylor sempre me diz que nada daquilo foi culpa minha, mas não consigo parar de pensar que deveria ter feito algo, tentado tornar tudo melhor. Minha resposta é sempre um sorriso, que ela bem sabe não significar nada, e continuamos algum assunto qualquer para não deixar o ar desconfortável (agora que está grávida, qualquer brecha para falar sobre o assunto se torna horas olhando para revistas de bebês). Ela é a melhor irmã que poderia pedir em minha vida, sempre fazia questão de saber que estava bem, principalmente depois que fiquei sozinho; nas primeiras semanas, sua visita em nossa casa, minha casa, na verdade, era esperada quase todos os dias. Acordava, e lá estava Taylor, com algum fast food na mão e pronta para tentar, e falhar, me tirar da cama e do quarto escuro.

Você era esse tipo de irmão, a pessoa sempre pronta para ajudar qualquer um ao ser redor, e era um dos pequenos detalhes que me afeiçoavam sobre você. Ainda lembro de seu sorriso, não daquele de ligeira felicidade, e sim o que usava quando precisava confortar Linsey sobre seu show com poucas pessoas o até mesmo Hina triste por não ter sido escalada como principal em alguma peça. Aquele sorriso seria direcionado para mim, se conseguisse me ver na situação em que me encontro no momento.

Disseram que eu precisava escrever e é isso que estou fazendo no momento.

Além de Taylor, acredito que fazem meses desde que tive algum contato com um ser humano (Sr. Barbicha ainda vem me visitar todas as manhãs para receber sua ração e um pouco de carinho, e devo admitir que é muitas vezes a razão para qual acordava certos dias, nas noites em que era muito difícil não lembrar de você). Heyoon ainda tenta e a agradeço demais por isso – recebo suas mensagens de carinho e conforto, e elas sempre parecem profundas, como se aquilo realmente viesse de seu coração, e é justamente o que preciso. O problema é que nunca respondo, não consigo achar a força e a determinação para mandar algo para qualquer um.

Fazem anos desde que tudo terminou, eu deveria sair desse estado quase vegetativo em que me encontro. Minha psicóloga não me julga, mas sei muito bem que dentro de sua cabeça deve pensar sobre como sou completamente louco por não conseguir te largar – e eu não ligo, apenas saio de casa para ir ao seu consultório, e até o momento ela me faz bem. Fico pensando em quais seriam as suas palavras nesta situação, sempre parecia encontrar as palavras certas para fazer qualquer pessoa melhor.

Não consigo lembrar quais foram as suas primeiras palavras no dia em que nos conhecemos, e isso sequer importa? Lembro de seu sorriso, iluminando completamente a cozinha, ainda mais do que o sol forte que era a razão de tanta felicidade (eu nem ao menos te conhecia e você falava monólogos inteiros sobre sua paixão pelo sol e tudo o que envolve o calor e a cor laranja); lembro de seu cabelo bagunçado, como ficava pela manhã pois tinha preguiça de os arrumar antes de preparar sua enorme xícara de chocolate quente – sim, achocolatado às 6 horas da manhã pois você odiava café; lembro de como seus olhos brilhavam enquanto encarava a paisagem por fora da janela, as colinas que pareciam chamar seu nome quando o vento batia, e o seu próprio verde parecia responder na mesma intensidade; lembro de que ainda estava confuso sobre o porquê de um garoto tão bonito estar sentado em uma das cadeiras de madeira desconfortáveis da cozinha que ninguém realmente ia pois todos estavam muito ocupados do lado de fora; lembro de sentar e conversar por horas até que todos acordassem, nem ao menos consigo lembrar o assunto, apenas que cada fala sua era como uma bela poesia sem fim a qual nunca me cansava; lembro de que todo dia era assim e nunca iria me cansar de olhar para sua pele brilhando pelas manhãs como se o sol fosse você próprio – e você era meu sol, Noah Urrea.

Agora é como se estivesse em um longo e interminável inverno, e por mais que sonhasse com o calor, com a sensação de minha pele queimando, aquele momento nunca chegava, e eu acordava novamente para um dia cinzento e coberto de neve.

Sinto que escrever pode não ter sido a melhor ideia de todas, acabou que estou no mesmo lugar de ontem – chorando enrolado em um cobertor velho que compramos juntos, olhando para os quadros quebrados nas estantes e tentando voltar para o passado que parecia tão perfeito. Mas porra, se ele fosse tão perfeito, você não teria tirado sua própria vida.

Eu deveria falar "Com amor, Josh", mas foda-se o amor, foda-se o mundo.

𝐓𝐇𝐄 𝐋𝐎𝐕𝐄𝐋𝐘 𝐋𝐈𝐓𝐓𝐋𝐄 𝐋𝐎𝐍𝐄𝐋𝐘 𝐋𝐄𝐓𝐓𝐄𝐑𝐒 ─── 𝑛𝑜𝑠𝘩 ༉‧₊˚Onde histórias criam vida. Descubra agora