❛ 𝑸𝑼𝑰𝑵𝑻𝑨 𝑪𝑨𝑹𝑻𝑨

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𝑸𝑼𝑰𝑵𝑻𝑨 𝑪𝑨𝑹𝑻𝑨

Essa vai ser a minha última carta, Noah Urrea, decidi isso enquanto arrumava nosso quarto depois de anos sem tocar em algo ali (sim, eu tive uma crise alérgica, mas este não é o ponto). Minha psicóloga gosta de reafirmar que isso está me fazendo bem, e eu acredito nela pois, realmente, sem as cartas não estaria fazendo o progresso que fiz hoje, mas sinto que é a hora de dizer adeus as lembranças colocadas em palavras – eu nunca fui o tipo de escritor de livros e cartas, sempre fui melhor com músicas.

Conversei com Taylor, em uma decisão louca de tentar sair do poço de miséria que me encontrava, e decidimos que deveria sair dessa casa para livrar minha mente do seu fantasma que parecia me seguir para qualquer um dos cômodos. Para ela, deveria ter feito isso muito tempo atrás, antes de estragar completamente minha vida e me afundar em meus próprios pensamentos e esquecer da vida fora da minha bolha de sofrimento.

Talvez escrever me deu uma perspectiva que não esperava ter, mas mesmo assim ainda penso em você, e em como eu daria tudo para voltar para aqueles dias em que tudo parecia perfeito demais para ser real. Ainda penso que vou acordar e você estará na cozinha, olhando para o sol e falando sobre os seus sonhos estranhos como se conseguisse os visualizar ali, diante de si; e como mentia sobre metade deles, obviamente, para ter algum assunto legal pelas manhãs em que eu acordava me sentindo horrível, principalmente quando estava desempregado; penso que irei receber um beijo seu antes de ter que correr para o trabalho, e como ele sempre tinha o gosto de chocolate misturado com algo que a definição poderia ser apenas vida.

Eu poderia mudar de vida completamente, fugir de tudo o que passamos e de tudo o que passei sozinho para tentar entender o que aconteceu, mas nunca iria esquecer o quanto te amei. Por mais que suas palavras continuam ecoando em minha mente, como pequenos vidros me cortando por dentro, eu ignoro e finjo que aquele mês nunca aconteceu, finjo que você não fugiu de casa, me xingou, recusou me ver por um mês e depois apareceu morto em uma banheira de hotel com os pulsos cortados.

Nenhuma carta, nada que pudesse nos dizer o que você estava pensando quando fez tudo aquilo. A única coisa que eu tinha era a certeza de que morreu me odiando – julgando por suas últimas palavras para mim serem xingamentos e ofensas que até hoje carrego tatuadas em minha alma. Se você me odeia, não te julgo, qualquer coisa que te fiz deve ter sido horrível, e não perceber ou entender o que você estava passando antes de morrer foi um grande erro meu.

Linsey passou aqui em casa, nesse um mês que fiquei sem escrever para ti, e me disse que deveria parar de me culpar pelo aconteceu, como todos diziam e eu sempre deixava de escutar. De acordo com ela, Noah Urrea era uma bagunça sem explicação, e que se eu, a pessoa que ela amava mais que tudo, não o entendia, ninguém iria. Aquilo deveria me confortar, mas apenas fiquei pensando em qual seria os seus sentimentos sobre mim afinal.

Você me amava ou apenas se conformou em ficar comigo? Éramos apenas aquele casal fácil, sem complicação, e que simplesmente tornava sua vida mais fácil de lidar? Eu sempre estava ali, para te abraçar, para te beijar, pra te apoiar em tudo, era isso que você procurava ou precisava de mais? Precisava de alguém para brigar, pra te fazer ver outros pontos de vista, e apenas se conformou em ter alguém que parecia querer lamber cada passo seu com uma admiração inexplicável.

Nunca vou entender o que aconteceu naquele um mês que passamos separados, nunca vou entender o porquê de ter me xingado sendo que no dia anterior estava me elogiando, o porquê de ter se escondido em um quarto de hotel sem nenhuma das suas roupas ou objetos (todos eles ainda continuavam em minha casa, onde eu me batia mentalmente tentando descobrir o que tinha feito para essa ser a sua reação), e nunca vou entender o porquê de ter recebido uma ligação falando para ir ao hospital pois meu marido estava internado. Você morreu com sua aliança no dedo, afinal, e não sei se isso deveria ser algo para me confortar ou apenas me faz mais estúpido, estávamos noivos e queríamos filhos e você me dizia todos os dias sobre como estava ansioso para irmos ao centro de adoção que acontecia no final de outubro para adotar um cachorro.

Realmente, nunca vou entender como minha vida desabou naquele um mês, mas estou tentando ganhar tudo aquilo de volta. Você nunca vai voltar, infelizmente, apesar de meus sonhos em ver seus olhos verdes ao meu lado novamente e escutar sua voz cantando músicas infantis enquanto arrumava a casa em seus dias sem trabalho, nunca vou ver essas cenas novamente. 7 anos juntos e tudo foi embora, nunca vou me acostumar com esse sentimento.

Noah Urrea, eu te amei mais do que um cego ama a luz, mais do que um louco ama a sanidade, mais do que um livro ama a claridade que pode o danificar. Eu te amei de uma maneira que não julgo possível para meros seres humanos – amei suas falhas perfeitas, amei sua voz ao me xingar, amei o seu sotaque americano carregado quando falou mal de tudo o que me fazia sentir bem sobre mim mesmo. Amei ainda mais a maneira como dizia que me amava, e como lia algumas publicações em voz alta para que conseguisse compartilhá-las comigo quando estava com preguiça de começar uma conversa, e como adorava fazer nosso almoço super vegetariano, e como divagava enquanto tentava encontrar os ingredientes que sempre mudava de lugar e esquecia. Amei como fazia questão de observar minhas apresentações na Academia todas as vezes como um ridículo cliché na procura de memorizar cada passo e cada detalhe em meu ritmo. Amei como fazia questão de visitar minha família nos fins de semana e não reclamava de ficar lá nos domingos, e como fez meus tios gostarem mais de você do que de mim, e como você entrou em minha vida de uma forma tão leve que parecia que sempre esteve ali, ao meu lado.

Você se foi e não tem nada que eu consiga fazer para cobrir o espaço vazio que ficou em meu coração, mas para minha própria sanidade, preciso sair dessa casa escura e tentar viver a vida que ainda tenho. Você sempre será o amor de minha vida, a pessoa que ocupa a maior parte de mim, e quem fica em minha mente antes de dormir e meu primeiro pensamento ao acordar, eu apenas espero que as memórias me tragam felicidade ao invés de interminável tristeza.

Onde quer que você esteja, meu noivo, minha cara metade que deve estar revirando os olhos com todas essas palavras melosas, eu espero que você esteja bem, que finalmente esteja feliz, e que você esteja sendo a melhor versão de você mesmo. Noah Urrea, eu te amo e finalmente te deixo descansar.

Com amor, pois acabei me rendendo para esse tipo de estilo meloso, Joshua Beauchamp.

𝐓𝐇𝐄 𝐋𝐎𝐕𝐄𝐋𝐘 𝐋𝐈𝐓𝐓𝐋𝐄 𝐋𝐎𝐍𝐄𝐋𝐘 𝐋𝐄𝐓𝐓𝐄𝐑𝐒 ─── 𝑛𝑜𝑠𝘩 ༉‧₊˚Onde histórias criam vida. Descubra agora