Capítulo 1

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A primeira sensação que Gabrielle teve foi que a vila era ajeitadinha.

Em formato de cruz, inicialmente, com duas largas ruas principais, a vila foi crescendo meio arredondada, com vielas cheias de casinhas pequenas e estalagens nem sempre confiáveis. A praça central que era linda, com uma grande fonte de pedra branca e águas limpas, e as residências mais respeitáveis, como a do juiz, do prefeito e dos comerciantes mais abastados, além da igreja. Para quem passava de carruagem e não parava, Travessa era uma cidade charmosa.

Gabrielle entendeu imediatamente como tudo funcionava, já que a Capital era, no mínimo, umas doze vezes maior. Quanto mais perto do Centro e do cruzamento na praça central, mais rico o morador, e até o cheiro era melhor. Se tinha algo que percebeu que sentiria falta ali era do encanamento que a Capital dispunha, mesmo nos distritos mais pobres. Urinóis não eram simplesmente dispensados pelas janelas, como certamente era o caso em Travessa.

A carroça de seu pai entrou na primeira das ruas laterais, o que ainda era respeitável. A fachada era simples, com uma placa meio apagada e janelas sujas nos cantos, o que poderia significar desleixo ou que a loja não era recente. Dentro havia prateleiras de madeira escura contendo diversos produtos, desde linhas até facas de caça, um pequeno armazém onde uma família poderia suprir suas necessidades.

Não havia muitas prateleiras, mas seu pai mostrou, orgulhoso, o estoque no porão, com espaço para mais produtos e cuidadosamente organizado. Via-se sua alegria em se sentir útil outra vez e foi fácil para Gabrielle entender que, sem aquilo, ele morreria mais cedo do que o tempo devido. Ele sorriu, mostrou o balcão e o baú com chave para o dinheiro, mostrou todo o procedimento sorrindo. Havia muito tempo que ela não via o pai feliz assim e, por isso, ficou grata.

— Quando Bernard... quando ele for para o exército — Francesco falou, como se sua boca tivesse o gosto de algo ruim —, você pode vir me ajudar de vez em quando, se sua mãe dispensá-la.

— Claro, seria um prazer! — Ela não evitou o sorriso. — O senhor sabe que sou bem melhor nos cálculos que Bernard.

— Não comece — eles ouviram a voz de Bernard vindo do estoque.

Ela sorriu ainda mais. Eles implicavam tanto um com o outro que seus pais nem se importavam mais.

— E geografia, história, línguas estrangeiras...

— Adianta saber tudo isso e não conseguir andar cem metros a cavalo?

Gabrielle parou a provocação na mesma hora.

O clima estava bom, e o vento fresco do início da primavera era um convite para um passeio. Despedindo-se do pai, Bernard guiou Gabrielle pela cidade, mostrando as tavernas e estalagens onde ela poderia almoçar sem medo, as lojinhas que ele já havia conhecido o dono e, para a alegria dela, uma adorável livraria. Não é necessário dizer que foi parada obrigatória.

As paredes eram amarelas, num tom adorável que lembrava o sol mais fraco do inverno, e apoiavam estantes baixas de madeira clara. A luz que entrava naquele período do dia iluminava o espaço muito bem, e Gabrielle pôde ver cada canto e decoração, reparando nos detalhes do tapete desgastado no meio do espaço e nas mesas pequenas com banquinhos que ficavam nas quinas do espaço.

Ela não pôde segurar um ruído de admiração ao ver um espaço tão singelo e, ao adentrar mais no espaço, quase deu um encontrão no dono da livraria. Ele, oculto por detrás dos livros que carregava nos braços, não percebeu que não estava mais sozinho na loja. A situação foi mais divertida do que embaraçosa, e Gabrielle ajudou-o a colocar os livros nas prateleiras.

O homem, na casa dos 40 e de sorriso estampado, tinha uma careca semioculta pelos cabelos castanhos que ele penteava para esconder, sem muito sucesso. Era da altura de Gabrielle, e uma discreta barriga esticava os botões do casaco. No todo, era exatamente o que ela pensava de um livreiro, e teve vontade de voltar muitas vezes e engatar conversa. O homem parecia ter muitas histórias para contar.

Reino em Chamas - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora