Capítulo 4

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Bernard fora embora.

Já havia quase uma semana em que Gabrielle mantinha-se calada, pois, por mais que sua vida não estivesse um mar de rosas, seu irmão deveria estar muito pior. Ela imaginava cenas, como dormir ao relento e uma papa insossa no jantar, e seu estômago revirava, em pânico. Gostaria de ter como se comunicar com ele diariamente, mas, mesmo que ela mandasse dúzias de cartas, tinha certeza de que as respostas seriam esparsas.

Seu pai, percebendo o estado taciturno em que se encontrava, tentava animá-la, trazendo livros novos para lotar as prateleiras e, às vezes, um doce da padaria de Travessa, pequenos mimos que a deixavam emocionada. Naqueles momentos, ela voltava ao estado normal, brincava e ria com os pais, mas, após um tempo, só pensava no irmão.

Francesco não demorou a perceber que a única coisa que a animaria seria sair de casa e ocupar a mente e, por isso, naquela manhã de céu azul, ele mandou que ela se arrumasse e o acompanhasse à vila. O rosto dela se iluminou e, por um segundo, foi como se tudo estivesse no lugar. Sua mãe reclamou da solidão, e Francesco prometeu que daria um jeito, mas Gabrielle sabia que o afeto que ele tinha pelos filhos não era proporcional à esposa e se preocupou. Ela teria que arrumar uma maneira de cuidar da mãe de algum jeito.

A estrada estava movimentada naquela manhã, talvez pela temporada de chegada dos navios em Porto Norte, onde milhares de mercadores iam buscar produtos, espalhando-os pelo país. Ou era devido ao início das lavouras e plantações no início da primavera, e Gabrielle via pessoas demais numa estrada muito longa, o que aqueceu seu coração. Seu pai era mercador, um muito rico, dono de navios e galpões, e seguir uma estrada rumo ao porto era algo que gritava em seu sangue.

Travessa não parecia nada diferente da última vez em que esteve lá, e a explosão do posto de recrutamento não parecia afetar a vida daquelas pessoas. Isso fez com que se sentisse ainda mais deprimida com sua vida, uma fraca que surta por qualquer motivo. Entretanto, respirou fundo e tentou mudar de ânimo, já que queria fazer um excelente trabalho na lojinha para ter oportunidade de voltar a trabalhar com Francesco.

No início do expediente, Gabrielle entendeu porque seu pai gostava de Bernard. As caixas eram pesadas e, apesar da força muscular que ela tinha devido ao treinamento secreto, mesmo assim ela sofreu em subir algumas caixas escada acima do porão. E além da força física, ela tinha certeza de que Bernard não ficaria reclamando como ela estava.

Entre limpar, organizar e atender os clientes, a hora do almoço chegou voando. Gabrielle ficou sozinha na loja por uns minutos enquanto seu pai ia comprar o almoço numa taverna próxima, e ela pôde respirar. Aquela era uma rotina desgastante, mas só pelo fato de não ter ficado em casa o dia todo, ouvindo as lamúrias de Sophia e sentindo falta de Bernard, ela já estava feliz.

Após o almoço, a rotina permaneceu a mesma e, ao fim do dia, ambos foram para casa com a sensação de dever cumprido.

Óbvio que Sophia encheu Gabrielle de tarefas quando ela chegou e, mesmo cansada, ela ainda ajudou a mãe no necessário. Por um segundo, ela se arrependeu de ter ido, mas, quando deitou-se e dormiu na hora, um sonho tranquilo e sem sonhos, percebeu que se cansar era a melhor coisa que poderia fazer a si mesma.

No dia seguinte, a rotina foi a mesma, e Gabrielle passou a olhar o comércio com outros olhos. Havia muita vida em tudo que acontecia, nas pessoas que entravam na loja e sorriam, nas que tinham pressa, e até nas que falavam outras línguas e Gabrielle tinha que se esforçar para entender. Travessa não era uma cidade qualquer, o cruzamento de duas estradas importantes, gente de todos os lugares passavam por lá.

Ela compreendeu mais seu pai naqueles dois dias e, ao deitar a cabeça no travesseiro naquela noite, sentiu como se finalmente fosse uma Montefiori e honrasse o sangue em suas veias. O sono veio pesado e tranquilo novamente, e o incidente da semana anterior com o estranho em sua cozinha parecia mais um pesadelo do que realidade.

Reino em Chamas - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora