3. Açúcar

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Querido Jimin,

Estou de volta. Não tinha açúcar pro café, tenho que ir comprar mais amanhã, acho que hoje o mercado está fechado pois é domingo. Odeio tomar café sem açúcar, sempre preferi as coisas mais doces possíveis. Realmente tenho que começar a cuidar mais da minha saúde. Continuarei então a falar sobre o meu início favorito.

Os eventos do resto daquela tarde se desenrolaram rapidamente tal qual uma menina jovem desfaz suas tranças apertadas do cabelo ao chegar da escola. Minha vida toda parece que era uma panela de pressão esperando pra ferver naquele exato momento em que os olhos enxeridos de Taehyung olharam meu livro encharcado. Eu passei o resto da aula espiando pelos ombros dele, procurando detalhes para gravar em minha mente caso eu nunca mais pudesse vê-lo, mesmo que eu estivesse determinado a achar formas de o chamar para dentro da minha vida. Era quase questão de vida ou morte. A ironia é que se tornou mesmo. Mas as flores vão ficar para o final dessa carta. Paciência, querido Jimin. Sei que você quer começar a falar das pétalas. Histórias também são tranças a serem desenroladas. Já estou chegando lá.

Assim que o relógio bateu 18:00 e a aula acabou, Taehyung levantou rápido e sumiu num piscar de olhos. Fiquei extremamente decepcionado. Juntei minhas coisas e soquei dentro da mochila, já anunciando derrota ao pensar que só iria ver ele na próxima semana ou nunca mais. Ah, o drama juvenil que se passou em minha cabeça naquele momento. Fui descendo as escadas devagar, praguejando novamente meus sapatos molhados e a chuva. Voltei a odiar ela, pois agora não haviam olhos bonitos me olhando para que eu pudesse tirar algo poético do momento.

Desci até a lanchonete para pegar um café. Taehyung estava sentado nas mesinhas de madeira, duas xícaras do lado das luvas laranjas de dedinho. Sorriso geométrico me chamando pra perto. Meu corpo se moveu quase contra vontade própria, igual magnetismo.

Sentei na mesa e ele já desatou a falar.

"Jimin, não botei açúcar porque não sabia como você gostaria. Desculpa ter saído rápido, queria fazer uma primeira surpresa de amizade. Você se lembra que meu nome é Taehyung né? Eu odeio chuva. Odeio, odeio. Mas sempre me faz lembrar daquele conto. O que é engraçado, porque eu odeio chuva, mas meu conto favorito é sobre chuva."

Ele aproximou uma das xícaras de café para perto de mim e tomou um gole da xícara dele. Os olhos dele estavam grudados em mim enquanto ele surrupiava o gole. Sorri. Botei açúcar no café. Um pouco demais, ele arregalou os olhos. Tentei responder as perguntas dele em ordem.

"Obrigada pelo café. Eu adoro café com muito açúcar. Meu companheiro de apartamento, o Hoseok, vive dizendo que eu vou ter diabetes quando for mais velho. Claro que eu lembro que seu nome é Taehyung. Você foi um dos gatilhos da minha rinite hoje de tarde. Os piores: lã, naftalina e cigarro. E eu também odeio chuva, demais. Hoje cheguei aqui soltando fogo pelas orelhas. Sabe que eu gosto dessas ironias? É tipo gostar de banana mas não gostar de bala de banana. Eu sou vegetariano mas meu conto favorito é sobre uma galinha sendo feita de jantar."

(Sei que comecei a última carta falando sobre churrasco. Anos se passaram. Você deveria parar de comer carne novamente, Jimin.)

Quando terminamos de tomar nosso café e papear um pouco mais sobre a aula da professora Patrícia, o céu já estava meio escuro. Em maio já começa a escurecer mais cedo. Nos levantamos para um abraço desajeitado na porta da lanchonete. Primeira vez que lembro de estar nos braços dele. Era quente.

A chuva já tinha parado e agora uma leve brisa deixava meu nariz gelado. Caminho alguns metros e me viro pra trás, respondendo a grande vontade em meu coração de olhar para ele uma última vez aquele dia. Ele ainda estava parado no mesmo lugar. Taehyung sorri e acena pra mim de longe. A blusa dele balança um pouquinho e cai do pulso, mostrando o que parecia ser uma tatuagem vermelha no antebraço. Anotei mentalmente para perguntar o que era a tatuagem a próxima vez que a gente se encontrasse. Senti uma dor no estômago.

Eu sou friorento, sempre fui. Continuei caminhando para casa, distraído demais olhando a cor amarela da luz dos postes e pensando na cor vermelha. Pensando em Taehyung, e na cor vermelha.

Quando abri a porta de casa, meu estômago doeu de novo. Uma ânsia esquisita. Quem sabe foi muito açúcar no café. Hoseok estava deitado no sofá e disse que eu estava com cara de quem comeu e não gostou. Não ouvi o que ele disse em seguida, fui correndo pro banheiro. Que puta desconforto no estômago, Jimin. Tossi uma vez, tossi duas vezes, tossi três vezes. Cuspi na pia.

Saliva e a cor vermelha. Fiquei assustado porque pensei que era sangue. O primeiro pensamento na minha cabeça: gengivite. Você tem que escovar melhor os dentes! pensei rapidamente. Um momento tão importante da minha vida e a primeira coisa que me veio a cabeça era gengivite. Que merda. Mas não dá de ser poético a todo momento, né? De qualquer forma, não era gengivite porque o vermelho não era de sangue. Peguei em minhas mãos o que havia saído de minha boca: uma única e amassada pétala de flor vermelha.

Mário Quintana disse uma vez: o encanto sobrenatural que há nas coisas da natureza.

Com carinho,
Jimin.

PapoulaOnde histórias criam vida. Descubra agora