Querido Jimin,
Eu já mencionei que meu início favorito com Taehyung havia sido o chuvoso dia de primeiro de maio. Se me permite, preciso abrir uma exceção para outro início, o início da mudança. Quando esse início começou, eu não tinha ideia se era para algo melhor ou pior.
Taehyung foi a primeira pessoa a segurar minha mão, mas a primeira vez que alguém segurou minha mão não foi exatamente a primeira – quando eu era recém nascido eu segurei o dedo indicador do meu pai com minhas mãos que pareciam pãezinhos. Quando eu tinha 15 anos eu segurei a mão do menino que povoava minha imaginação, uma camada de roupa a menos por sonho. Quando eu tinha 16 anos eu segurei a mão da menina bonita depois de ter criado coragem para pedir um beijo pra ela. Ela mesma me levou ao abismo de outra primeira vez, a do coração quebrado.
Houveram outras primeiras vezes, quando me fizeram florescer de outras formas. Entretanto, nenhuma da mesma forma que Taehyung. Não sei qual dessas foi a primeira vez que eu segurei a mão de alguém, mas sinto que com Taehyung foi a primeira de todas.
Naquele dia, uma flor escapuliu de mim na frente dele. Essa foi uma das primeiras vezes que mencionei na primeira carta. A primeira vez na frente dele. Perdoe-me pela confusão, Jimin. Eu estou velho mas não tanto assim. Não sei se posso culpar exatamente a idade pelo meu esquecimento.
Aconteceu certa tarde em que Taehyung me chamou para matar aula e ir na reabertura do acervo do museu da nossa cidade. Pegamos um metrô e fomos. Chegamos lá e descobrimos que estava fechado. O museu não abria segunda-feira.
Achando graça no nosso próprio equívoco, compramos um pacote de pão de queijo em um supermercado que tinha ali perto e sentamos no gramado do museu. Deitamos na grama e passamos a tarde conversando. Já que não conseguimos ver nenhuma obra de arte aquele dia, inventamos um jogo de descrever e adivinhar obras de arte.
"Três cupidos mirando em uma mulher pelada," eu comecei.
"Jimin, você sabe que isso deve estar presente em tipo, um zilhão de pinturas já feitas na história, né? Hum, deixa eu pensar. É o Nascimento de Vênus?"
Dei uma risada, aproveitando o erro dele. "Errou! Não existem cupidos no Nascimento de Vênus. Parece que alguém não é tão conhecedor assim das artes clássicas. É o Triunfo de Galatea. Erro bobo, caro Taehyung. Erro de iniciante! "
Senti uma pequena satisfação em ter feito ele errar algo sobre arte. Era engraçado ver a língua encostando dentro de sua bochecha.
"Adivinha essa, então," ele me falou. "Cor amarela, tristeza e felicidade, melancolia, orelhas."
"Tae, você é muito previsível," eu respondi. "Doze Girassóis numa Jarra, do Van Gogh."
Ele fez um biquinho. Por mais que fosse bom ver ele meio mordido por uma coisa boba, eu também queria ver ele acertando, então fui previsível também.
"Lírio na água. Jardim bonito, calmaria. Cor verde."
Ele acertou respondendo Claude Monet.
"Fala uma difícil pra mim, Taehyung," eu provoquei. "Deixa eu mostrar pra você que eu sou tão foda nas artes quanto você."
Ele cerrou os olhos. O que ele disse em seguida foi mais longo do que as descrições anteriores.
"O incrível vazio que nós sentimos em nossos corações. Estar sem roupa, ser íntimo. Essa obra me lembra a quem nós somos quando estamos sozinhos. Seres azuis, jogados em uma tela. A tela pode ser nossa cama, nós no ônibus, em qualquer lugar. Essa pintura reflete quem nós somos todos por dentro: pessoas com sentimentos azuis. Pessoas melancólicas."
"Antropometria da Época Azul," eu respondi. "Yves Klein."
Acertei na lata e aquilo me fez pensar. Lembro até hoje das obras que ele descreveu pra mim. Lembro porque depois fiquei analisando cada uma delas, tentando trazer luz aos pensamentos dele e ver se eu conseguia decifrar algo. Eu passei muito tempo tentando decifrar Taehyung. Muitas dessas vezes sei que foi em vão. Ele não era um conceito a ser decifrado. Mas isso eu iria aprender consequentemente. Eu quis dizer alguma coisa, alguma palavra de conforto. Aquela descrição da obra havia sido um desabafo, de uma forma ou de outra. Sabe quando alguém desabafa uma primeira vez com você, e você se sente tão importante que nem sabe o que fazer com tal conhecimento? Eu me senti assim. Ele não me deixou completar.
"Não tem graça brincar com você, Jimin."
O fim de tarde estava bonito, trabalhadores apressados, homens da multidão de Poe. Mesmo com o barulho da cidade em movimento, eu conseguia ouvir a respiração do Taehyung. Ele parecia um pouco triste após descrever a obra do Yves Klein. O pôr do sol parecia conversar diretamente com as flores dentro de mim, trazendo luz para dentro delas. Eu também estava triste, por motivos diferentes.
Sentimentos na maioria das vezes são bonitos. Eu sempre consegui enxergar uma certa beleza na melancolia, mas eu estava preocupado com a minha situação também.
Taehyung levantava os dedos em direção ao céu, traçando linhas invisíveis que desejei saber decifrar, mesmo que não tivessem nenhum significado. Parecia que os raios de Sol vinham diretamente das mãos dele.
Por favor, me ame Taehyung.
Eu sentia a dor no peito. A dor no meu estômago.
Por favor, me ame de volta.
Eu sentia as flores crescendo dentro de mim. Era pior quando eu estava ao lado dele.
Me ame, Taehyung. Eu te amo. Me ame de volta. Por favor.
Respirei fundo. Esperei ele me olhar. Me aproximei devagar e encostei minha boca na dele. Seus olhos pareciam errantes. Seus braços caíram até ele se apoiar em seus cotovelos, se inclinando para perto. Ele continuou o beijo e entrelaçou dedos com os meus.
O toque dele era tão leve mas ainda assim atingia meu peito com uma pancada invisível. Porque ele me tocou com tanta ternura se eu ainda vomitava flores? Mesmo com a ternura do toque dele, flores continuavam a crescer dentro de mim.
Taehyung parou o beijo quando percebeu meu rosto ficando molhado. Eu estava chorando, coração batendo pequeno dentro do peito. Senti o cheiro pungente no meu nariz e tossi forte.
Jimin, me lembro do sentimento de vergonha. De extrema apreensão em meu olhar: tossi e uma papoula pequena foi parar no ombro dele.
Na mesma hora me declarei a morrer de vergonha e auto piedade. Será que ele sabia o que isso significava? Agora ele poderia saber. E eu me senti condenado a morrer de vergonha por ter me apaixonado por ele de forma tão rápida. Tão pateticamente não correspondida.
Me senti patético por pensar que um beijo mudaria alguma coisa. Não mudaria, a falta de ar ainda estava ali. Eu ainda tinha flores, ele não me amava. Ele poderia me beijar mais um milhão de vezes e isso não mudaria minha situação: apenas o amor verdadeiro dele poderia fazer isso.
Taehyung parecia confuso ao retirar a pequena papoula do seu ombro, arrastando um fio de saliva. Ele fechou o punho na flor vermelha que havia saído dentro de mim.
Ele abriu a boca para falar algo que eu não quis ouvir. Eu não quis explicar o que estava acontecendo. Meu corpo queimava e eu não queria continuar ali para escutar ele falar que não me amava. As flores já me lembravam disso todos os dias. Levantei rápido e sai apertando o passo antes que fosse possível ele completar uma frase.
Quando já estava um pouco longe dele, me virei e ele estava plantado no mesmo lugar. Petrificado, ainda com o punho fechado na papoula. Eu só consegui dizer que eu não ia conseguir continuar fazendo isso. Pedi para que ele não me procurasse mais. Que eu não desejava mais a amizade dele. Uma mentira molhada e deslavada pelas lágrimas do meu rosto.
Eu sai do pátio do museu decidido a esquecer ele, e para sempre.
Jimin.
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Papoula
FanfictionLembra do olhar do Taehyung, Jimin. Começa por ai. Começa por aquela pétala de papoula vermelha, primeira flor que escapuliu do seu pulmão quando esse mesmo menino bonito segurou sua mão pela primeira vez. Você sabe como essa história terminou, o mu...