CAPÍTULO 03

356 73 20
                                    

Elias está de costas, com as mãos apertando a pia com força como se aquilo fosse a sua segurança para não desabar.

— Elias...

— Já pedi a pizza, Karen. Não deve demorar a chegar.

Ele se mantém com a cabeça baixa, encarando o chão com uma determinação tão grande que me faz olhar se não tem nada ali.

— Não quero saber de pizza, Elias. Tem como você olhar para mim? — digo com uma pontada de irritação na voz, o que faz com que ele se vire para me olhar.

Aperta os braços ao redor do peitoral, completamente na defensiva, e eu faço o mesmo, encostando na mesa da cozinha enquanto o encaro. Preciso achar uma forma de dizer o que me está me matando.

— Acho que a gente precisa conversar — falo e ele acena, olhando-me fixamente. Elias espera que eu continue falando, mas não sei por onde começar. — Preciso saber por que você foi trabalhar hoje, quando... Quando nunca trabalhou aos sábados desde que nos casamos.

— Tive coisas para resolver, Karen. Por que essa desconfiança agora?

— Por que está me chamando de Karen? — Passo as mãos seguidamente nos braços, quase sentindo a frieza com que ele me trata no corpo. — Eu não estou desconfiando. Quer dizer... Só achei estranho. Você não precisa ficar na defensiva e nem me tratar... assim. Nunca me tratou assim antes.

Elias suspira e desliza a mão pelos fios, coçando a parte detrás da cabeça em um gesto de nervosismo.

— Eu estou morrendo, Karen. Dia após dia. E você parece que não se dar conta disso. Quantas vezes desde... Quantas vezes nos últimos meses você me perguntou sinceramente como eu estava? Como foi o meu dia? E prestou atenção na resposta?

Fico boquiaberta pelo tom ácido da sua voz, e uma lágrima escapa por choque.

— Isso não é justo... — sussurro, sacudindo a cabeça. — Está insinuando que não me preocupo contigo? Porque eu me preocupo, Elias.

— Você se preocupa mesmo, Karen? De verdade? Sinceramente, não é isso o que parece. — Ele sacode a cabeça e passa a língua pelos lábios, nervoso e meio aflito. — Juro que não queria te dizer isso, mas... não aguento mais.

— O que... — Aproximo-me dele, dando um passo em sua direção, mas ele levanta uma mão para me impedir e sacode a cabeça mais uma vez. — O que você está dizendo?

Minha voz não passa de um fio e, pela primeira vez em anos, sinto medo do que irá sair da sua boca.

— Eu... Odeio ter que te dizer isso. Odeio os pensamentos que estou tendo nos últimos meses por isso aqui que carrego. Também perdi nossa bebê, sabe? — Arregalo os olhos quando ele menciona o assunto que sempre foi proibido tocar. — Em algum momento durante seu sofrimento, você pensou eu também perdi a nossa menina? Que também sofri quando você a perdeu?

Lágrimas escorrem dos nossos olhos e um soluço me escapa, enquanto nego com a cabeça de forma frenética.

— Não quero falar disso, Elias. Você sabe que não gosto...

— Eu sei, Karen. Eu sei que você não gosta de falar disso, de lembrar disso, de pensar nisso. Eu sei! — fala sem deixar se me encarar e sem fazer questão de secar as lágrimas que escorrem pelo seu rosto como eu estou tentando fazer. — Mas chega um momento da nossa vida que não dá mais para fingir que o sofrimento não existe, que a dor não faz parte da vida, porque faz. Tudo o que precisamos fazer é se unir a quem se preocupa com a gente e deixar que ela ao menos diminua dia após dia. Só que...

Bebê Inesperado [AMOSTRA]Onde histórias criam vida. Descubra agora