Fiapo 2 - café

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-Você não acha que está bebendo café demais?
Viola encara o garçom com uma expressão irritada, em parte por estar consciente de que haviam 5 canecas de porcelana vazias em sua mesa e em parte pelo fato de que a aparência do garoto de uniforme era estranhamente satisfatória e irritantemente atraente. A cafeteria onde estava era provavelmente um dos poucos alojamentos da cidade onde um funcionário com aquele visual seria contratado: cabelos curtos pintados de um azul vivo e vibrante, lentes de contato âmbar de gato, piercing na orelha e no nariz e algumas tatuagens pelo braço. Ela conseguia facilmente imaginá-lo sendo um protagonista de algum livro ou um dos crushes da heroína, um barman de uma balada famosa ou um cantor indie-pop.

-Não, não acho, senhor. Eu tenho um motivo perfeitamente aceitável para beber café hoje, mas não acho que seja do seu interesse saber.

O jovem não faz nada além de dar de ombros, inclinando a cabeça como se dissesse "ok, se quiser passar o resto do dia elétrica, a escolha é sua." Viola por algum motivo ficou extremamente aborrecida por essa indiferença, se recostando no banco estofado onde estava e bebendo mais uma xícara de café, encarando algum ponto a sua frente de modo fixo mas secretamente o observando com o canto dos olhos, assistindo-o voltar para o interior da cozinha. Até ele se virar como se quisesse dizer alguma coisa, dando um sorriso hesitante.

-Eu..hum..topa esperar aqui até meu turno acabar? Vai poder beber café grátis, olha que legal. Só não deixe meu chefe ver, afinal não queremos que eu seja despedido, certo? Aí você me conta por que se entupir de café hoje. Acho coisas assim bastante interessantes, sabe.

Abro um pequeno sorriso, assentindo com a cabeça devagar. Café grátis. Silenciosamente, prometo a mim mesma que só iria tomar o café e sair assim na cara de pau. Não estava a fim de me envolver em qualquer tipo de relacionamento ou flerte hoje. Mas não confiava em mim mesma o suficiente para resistir a garotos de qualquer tipo, então respiro fundo e me levanto, deixando algumas notas perto de uma das canecas. Eu tomara uma decisão. Não iria atender ao seu convite.

. . .

-Ah, oi!

Suspiro, assentindo com a cabeça de modo desanimado para o garoto sorridente na saída dos fundos da loja. Um poste de luz piscava ao seu lado, aparentando ser muito antigo, talvez estivesse aí desde a construção do prédio onde a cafeteria se localizava. Eu estava em um beco curto, me sentindo uma sardinha espremida no pequeno espaço entre um edifício e outro. O garoto corre até mim segurando uma pequena sacola de papelão. Ele ainda não havia percebido que não removera o avental, fato que me arrancou um sorriso.

Ele olha para mim com uma expressão indagadora e um sorriso hesitante.
-Algo de errado?

Dou de ombros, apontando para o avental, que visto de longe parecia um pouco com um vestido, de tão grande que era. O garoto fica vermelho, entregando a sacola para mim e correndo de volta para dentro, não sem antes gritar:
-Espera aí, eu já volto!

Era minha chance. Ele havia me entregado o que eu queria de bandeja. Estava a um passo da liberdade, de voltar para casa, voltar para os lençóis bagunçados e macios, os livros, a gata. O dia estava nublado, era o tempo perfeito para essa programação. Só bastava eu sair correndo para fora só beco enquanto ele se trocava e...

...e ele volta antes que eu pudesse fazer qualquer coisa.

Então não tenho a chance de descobrir, caso ele demorasse mais no vestiário, se eu escolheria ficar ou não. Não fazia tanta diferença agora que eu não tinha escolha, mas de algum modo pareceu importante. Estranhamente importante.

Ele toca em meu ombro, me arrancando dos meus pensamentos e me trazendo de volta para a Terra. Me permito examiná-lo pela primeira vez desde que voltou. Havia trocado de roupa além de só tirar o avental, coisa que eu não fazia ideia de como havia sido feita em tão pouco tempo. Agora, ele vestia uma camiseta creme com um ventilador estampado, uma jaqueta de couro vermelho e uma jeans preta. Esse conjunto de cores estava longe de combinar com seu cabelo, mas de alguma forma ele fazia parecer algo bonito.

O garoto sorri, percebendo que eu observava suas vestes.
-Gostou? O ventilador é de uma seita secreta que eu participo, a dos Entregadores de Pizza Anti-Morte, ou EPAM, o que é um nome chique para "um grupo de amigos que se conhece desde o prézinho que decide fazer algo aleatório e ilegal depois da formatura." A propósito, meu nome é Julian, mas você provavelmente já sabe disso, pelo meu uniforme.

A verdade era que eu nunca prestei atenção em nomes de uniforme, frequentemente me esquecendo disso. Parabéns, Viola.
-Meu nome é Viola. E sabe de uma coisa? Gostei dessa seita secreta. Estão aceitando novatos?

Ambos riem, e Viola se dá conta de que eles já estavam um quarteirão longe de onde começaram.

-Acho que não, estamos lotados. Mas podemos rever as vagas se você trouxer bolinhos na sua primeira reunião.

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