Capítulo 5

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Sentada em uma mureta entre um restaurante e a Baía de Guanabara, eu mexia incessantemente no canudo do meu chá gelado, ao mesmo tempo em que tentava não me sentir desconfortável com aquela situação. James, sobrinho de Víctor, que havia sido um antigo namorado meu, havia me convidado para jantar. Tudo bem, talvez eu estivesse somente imaginando coisas. James era um bom garoto, quer dizer, ele não parecia mais um garoto, estava mais velho e mais maduro do que na última vez que nos vimos, mas isso não escondia os quase dez anos de idade que tínhamos de diferença. Eu me perguntava se era realmente tudo isso que tínhamos de diferença. Mas eu não sabia e nem ousaria lhe perguntar.

Apesar de não aceitar o jantar, não escapei de um pedido para uma rápida bebida. James conhecia bem o lugar, o restaurante pertencia ao pai de um amigo da faculdade. Enquanto eu o encarava, tentando adivinhar sua idade, ele falava sem parar. Contava sobre sua paixão pela música, sobre o curso que ele terminaria no final daquele ano, algo sobre uma loja que ele pretendia abrir e sobre sua família. Sim, ele falou de todos, menos de Víctor. Eu estava curiosa para saber o paradeiro dele, principalmente porque nunca mais nos vimos depois daquele fatídico término de namoro. Mas James não mencionou o tio, e eu também achei melhor não perguntar.

— E você, Ana? — James quis saber. — O que fez ao longo desses anos?

Demorei um pouco para responder, pois ainda estava indagando na minha mente possibilidades sobre a vida de Víctor.

— Bem, eu apenas mantive o foco na minha profissão. Estudei e me especializei bastante na dança. Mas ainda tenho muitas outras metas para os próximos anos.

— Sim, para ser feliz, basta fazer escolhas certas.

— O que disse? — perguntei, por não entender a frase.

— Escolhas. Elas só dependem de nós. É assim que chegamos até a tão desejada felicidade. Através dessas escolhas. Vejo que você escolheu sua paixão pela dança, e procurou se aperfeiçoar cada vez mais. Acho que isso a faz feliz.

— Sim, é claro. Realmente, eu amo muito o que faço. Esta sempre foi a minha intenção desde que deixei minha cidade.

— Que bom — ele respondeu, satisfeito.

— Estou vendo que para você é a mesma coisa, não é? A música é o que te faz feliz. — Ele encarou a linda maleta de couro ao seu lado, como se fosse sua criança mimada.

— Sim. Eu escolhi a música. Não tenho a pretensão de ser um grande músico, como o meu avô. Mas se conseguir fazer um pouco daquilo que gosto, já valerá a pena. — Ele riu.

— Você toca muito bem. Parabéns. É impressionante vê-lo tocar. Percebe-se que faz com o coração.

— Sim. A música é como alimento para mim. Ela me mantém vivo todos os dias — declarou. — E posso até dizer também que ela faz de mim uma pessoa melhor.

Os olhos de James brilhavam enquanto ele falava. Durante todo o tempo, ele parecia à vontade ao meu lado, conversando assuntos aleatórios. Sem se atrever a citar o Ano Novo que passamos juntos e aquela loucura insana dele ter me arrastado até as montanhas para apreciar os fogos de artifício. Não comentou do nosso pequeno e rápido almoço em família, na casa dele, com seus pais e Víctor. Nada. Ele não disse, nem relembrou nada do nosso passado, como se não tivéssemos tido um passado. E eu percebia no seu sorriso e no seu olhar que, às vezes, ele estava distante, perdido em interrogações, tanto quanto eu.

— Bom, acho melhor eu ir. Já está tarde e amanhã tenho que estar cedo no pavilhão — eu disse, me levantando e apoiando a mochila nas costas.

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