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   O que dizer sobre a felicidade? Nada. Isso enche o saco de todo mundo. A felicidade de uns faz a infelicidade dos outros. Vocês iriam ficar com inveja, mesquinhos. Por que é que as coisas estavam indo tão bem assim para a gente, e não para vocês? Eu também não vou contar para vocês a respeito da minha cara de pateta sorrindo, viu? Isso não se conta, um sorriso, sobretudo com cara de pateta.

   Eu não vou transcrever para vocês as tolices adoráveis que a gente fica trocando um com o outro ao longo das noites, nem descrever a maneira dele de recolocar as minhas mechas atrás da orelha, a suavidade do rosto dele contra o meu, e seu olhar mergulhado no meu...

   Como estão vendo, eu caio rapidamente nos piores clichês.

   Rostos grudados, olhos nos olhos, mão na mão... Como a gente fica babaca quando apaixonada! Como ficamos patetas, melosas, românticas, inativas, improdutivas, egoístas, cegas e surdas! Eu passeio a minha cabeça de autista feliz pelas ruas de Paris, pouco ligando se estou ou não chocando meu séquito que cessou de existir, ou os passantes que nem sequer vejo. A única coisa que importa é a opinião de Andrea, e seu rosto é a réplica exata do meu, um ar beato, inclusive com um sorriso indo de orelha a orelha, de forma que seria surpreendente se ele formulasse qualquer crítica a respeito do meu.

   Seis meses de felicidade. Compartilhada. Lembranças desordenadas, e aquela sensação de um buraco no ventre quando são evocadas por mim... Uma confusão de risos, pernas e fumaça entrelaçados... Os eflúvios de Dolce & Gabanna e Allure misturados... um acorde langoroso de piano... o inverno seguido da primavera... minhas mãos crispadas sobre sua pele... sua voz que me enlouquece... a obscuridade radiante que reina no meu quarto quando durmo nos braços dele... a febre que nos excita, nossas conversas exaltadas e nossos abraços sôfregos... o desejo latente que fora velozmente satisfeito... o esquecimento total deste mundo insignificante... apenas ele... apenas eu... nossos membros misturados... nossas risadas sincronizadas em harmonia... E a gente rola no chão na cascata de penas virginais de um travesseiro furado... eu me esquivo de brincadeira... para em seguida me entregar e recair de costas na cama... minhas pernas nuas no ar... Depois do gozo, o abraço... e afogar meu olhar nos seus olhos límpidos... e oferecer meu pescoço aos seus lábios ávidos... acender um cigarro que dividimos... sem nada mais desejar... sem nada mais recear... a saciedade imperfectível do corpo a corpo... do coração no coração... acalentada pela música extática das palavras de amor que me são destinadas... lassidão que freia por alguns momentos o entusiasmo da paixão... nossos dois seres exauridos jazem um ao lado do outro... em silêncio... e exultam unicamente por estarem juntos...

   Ele brincando irrefletidamente com meus longos cabelos espalhados por cima do travesseiro... eu passeando meus dedos ao longo da curvatura da sua virilha... e a força serena do seu corpo estendido que basta para inflamar minha pele e minha alma... não, nada me amedronta quando estou nos braços dele... nada... transformo meu fôlego no eco das batidas do seu coração, meu corpo no reflexo do corpo dele e a sua perna que me envolve transforma-se numa corrente invencível... eu o olho dormir e a sombra dos seus cílios sobre seu rosto mal barbeado, seu jeito de criança, sua mão abandonada, liberam em mim paixões desproporcionais...

   Logo eu que fugia do amor, que o fustigava sem parar. Isso por desconhecer a existência de Andrea. Nós somos a mesma alma em dois corpos e formamos, quando eles se unem, somente um. Fiquei sem sair durante seis meses. Sem nada beber e sem cheirar nada. Nenhuma ânsia. Eu me saciara devorando a pele dele, minha necessidade de esbórnia foi consumida na chama dos seus olhos.

   Viver de amor, Evian e Marlboro Light.

   E achar que isso basta.

   Mas não bastava.

Hell | Lolita PilleOnde histórias criam vida. Descubra agora