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   Eu não aguento mais.

   Nós não estamos mais vivos, isso é um engodo.

   Nós caímos de boca na noite e na cocaína.

   Assombramos os lugares sórdidos na zona leste, naqueles bairros cuja existência era até agora ignorada por nós, chafurdamos na imundície dos outros, nos alimentamos de vapores esverdeados, de encontros vazios e desta putrefação onipresente da alma que a gente só encontra na noite, a qual, mesmo assim, desejamos.

   Nós representamos a comédia da vida, mas estamos mais mortos do que vivos.

   Cadáveres animados.

   Estou sem fôlego... meu desejo de prosseguir foi sincopado.

   Eu não aguento mais...

   Tomo um trago.

   A cada dia assisto à degradação do homem que amo, sua testa que bate na mesa, suas mãos trêmulas que esvaziam o saquinho, que esticam as linhas antes de elas desaparecerem num décimo de segundo no gesto brusco que ele faz para cheirar, inteiramente donas do seu ser, onde sou uma intrusa.

   As narinas cheias, os olhos vazios.

   A gente nem sequer transa mais.

   Tenho permanentemente um gosto metálico na garganta, não sinto mais minhas gengivas, meu nariz sangra todas as manhãs.

   É um mundo fechado, uma autarquia. Nosso único contato é com o nosso fornecedor.

   A gente tenta experimentar de tudo. Ontem, a gente fumou crack.

   Placa de vidro, nota enrolada, cristais imaculados. Ele roubou meu vício.

   Isso não se vive a dois.

   A gente se arrasta por lugares abjetos, a gente se diverte com os miseráveis, os mais desesperados.

   Seis horas da manhã, em algum lugar perto de Montmartre, lixeiras e gente. O dia parece que vai amanhecer. Mas é a noite para sempre.

   Sou a única a perceber.

   Talvez ele também saiba, eu não pergunto, a gente não se fala mais.

   Seu gesto enfastiado ao abrir as portas do carro. Entro mecanicamente.

   E a gente escuta Aerodynamic, música Daft Punk, e dá vontade de ir muito rápido para muito longe; e a gente afunda o pé a duzentos por hora nas pistas à beira dos cais desertos, e tudo fica para trás como um raio, e eu digo para mim mesma que quero morrer, que estou pouco ligando para quando será, morrer ao lado de Andrea a duzentos por hora, arrebentada pelo pó e a velocidade, com as guitarras urrando Daft Punk que saturam o ar do ambiente, atirar-se do alto da pont des Arts, uma vez que o nosso destino se tornou indistinto aos nossos olhos cromados, plantar-se na Cour Carré, aos pés do obelisco, debaixo do Arc de Triomphe, place Victor-Hugo e arrombar o portão do museu Marmottan para dar o último suspiro na frente do Impression soleil levant, arrebentar com os olhos em lágrimas ao lado da alma irmã, diante de uma obra-prima, e me dou conta de que o meu nariz está urinando sangue, e que os sinos dobram, e que nós chegamos...

Hell | Lolita PilleOnde histórias criam vida. Descubra agora