Segredos revelados

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Malia fez uma pausa, esperando que Allison dissesse algo.

- Tudo bem. Ok. Vá em frente...

- Ok. Vamos lá... Coragem... Bom, minha mãe trabalhava, na verdade ainda trabalha, na escola que eu estudava quando criança. E meu pai trabalha como motoristas, então eles passam o dia todo fora de casa. Minha irmã mais velha estudava em uma escola diferente da minha, e quando eu saía da escola de tarde (porque eu estudava de manhã), eu ficava em casa sozinha a tarde toda. Eu tinha 7 anos, fazia minhas lições sozinha, fazia as coisas que eu sabia fazer pra diminuir o trabalho da minha mãe quando ela chegasse... E eu tinha um vizinho, que eu nunca gostei muito dele, mas ele conhecia a rotina dos meus pais... Em determinado dia, ele pulou o muro enquanto eu fazia as lições de casa, e eu não percebi... Bom, ele invadiu minha casa e abusou de mim... Depois, me fez ameaças e disse que se eu contasse para minha mãe, ela não acreditaria e nem meu pai, e eu acreditei. Diversas vezes até os meus 8 anos ele abusou de mim e eu não contava aos meus pais, porque além de fazer ameaças contra mim, ele ameaçava minha irmã mais nova e eu tinha medo por ela, então fiquei calada. Com isso, meu comportamento mudou. Na escola, eu mantinha distância de todas as pessoas, me isolava. Chorava escondido e não comia. A única amiga que eu tinha, se chamava Aynara, ela percebeu e começou a passar mais tempo comigo. Nunca contei pra ela o que aconteceu, mas ela percebeu e contou pra psicóloga (porque ela passava muito lá), disse que tinha algo de errado. Conclusão? Comecei a passar na psicóloga da escola, ela disse aos meus pais que eu precisava passar com uma psiquiatra fora da escola e teria de fazer terapia, mas meus pais não acreditavam muito nessa coisa, então nunca fui, e eles até pediram pra coordenação cancelar meus momentos com a psicóloga escolar. Aos 9 anos isso voltou a acontecer. Contei aos meus pais e eles diziam que era mentira e que eu estaria inventando. Tive de continuar aguentando tudo isso sozinha e, isso fez eu me tornar uma pessoa extremamente fechada e de poucos amigos, tenho um círculo de amigos muito fechado, muito poucos. E hoje eu faço terapia sem meus pais saberem, pago com o dinheiro que eu ganho... Não saio muito de casa, tenho medo do que pode acontecer e etc... - Nesse momento, Malia percebeu que Allison estava chorando, mas não conseguia entender o porquê - Ei... Por quê está chorando? O que houve? Fiz algo errado?

- Não, é só que... Comigo aconteceu quase exatamente a mesma coisa... Meus pais se separaram quando eu tinha 7 anos. Meu pai é um ex-policial... Minha mãe trabalhava o dia todo, então no horário que eu não estava na escola, eu ficava na casa de uma vizinha... Quando ela saía de perto mesmo que por alguns instantes, o marido dela abusava de mim e, logo em seguida, me trancava no quarto dizendo pra mulher dele que eu estava estudando a tabuada. Ele ameaçava dizendo que se eu contasse algo, ele machucaria meu irmão e diria pra minha mãe que fui eu, então eu não podia arriscar que ele machucasse meu irmão. Isso se seguiu durante um bom tempo até a gente se mudar de bairro, onde tivemos novos vizinhos, passamos a ficar com uma mulher já meio de idade que cuidou da gente. Contei aos meus pais e eles me levaram ao psicólogo e fizeram tudo que tinha de ser feito... Mas isso nunca parou de me atormentar. Até hoje ainda tenho pesadelos... Mas o que mais me atormenta, é não poder mais ouvir a voz do meu pai. Eu posso vê-lo, falar com ele, abraçá-lo, beijá-lo, mas ele não pode retribuir...

- Desculpa perguntar mas... Por que? O que houve?

- Meu pai era um policial... Eu tinha 14 anos e meus pais já estavam separados havia 6 ou 7 anos... Eu passava quase todos os fins de semana com ele. Num domingo eu estava com ele, e era quase hora de voltar pra casa de minha mãe, quando meu pai recebeu uma ligação do trabalho e que ele teria de ir rápido... Ele se despediu de mim e disse que minha tia ia me levar pra casa. Vestiu o uniforme, me deu um beijo e saiu. Minha tia me levou pra casa e foi embora. Algumas horas mais tarde, ela voltou e disse pra minha mãe que a gente tinha de ir pro hospital o mais rápido possível... Resumindo, mau pai sofreu um acidente grave que deixou ele de cama... Ele não fala, não come, não anda, não consegue fazer mais nada sozinho... Agora, tem que sempre ter alguém com ele pra cuidar dele... - Malia percebeu que Allison estava abafando o choro, provavelmente pra que não acordar ninguém - Quase sempre eu acordo com pesadelos sobre aquele... Ou com pesadelos ela que vejo meu me beijando na testa de novo e depois eu o vejo na cama sem poder falar comigo...

- Eu... Sinto muito... Eu não sabia disso... Sinto muito mesmo... Gostaria de poder abraçar você agora pra que não se sentisse sozinha...

- Eu só... Não consigo entender o porque de tudo isso... Desculpe, você não deveria estar ouvindo isso a essa hora. Já é tarde e você vai trabalhar pela manhã...

  - Não, está tudo bem. Vamos continuar a conversar... Eu estou com você... - Malia estava chorando mas sem esboçar som, para que Allison não a ouvisse e nem seus pais.

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