Heresia

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"Como é difícil acordar calado

Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa"

✞✞

Eu jogava um jogo errado e doentio com Cristiano.

Desde a noite em que fui jantar na casa de seus pais eu tinha virado seu alvo. Suas provocações surgiram de leve e foram aumentando gradativamente com o passar do tempo. Sem eu me dar conta passei a ansiar e a ter medo dos meus momentos juntos dele.

Quando ele era mais direto eu me esquivava e esbraveja, porém fui dando corda, tendo o auge na tarde em que ele fora se "confessar" comigo. Nesse dia eu não consegui fingir que ele não me tentava. Não consegui controlar o meu desejo e verbalizara isso pra ele.

Ele me convidou a ir até os fundos de sua casa na noite seguinte e espiar de longe seu quarto que ele tinha uma surpresa para mim. Eu neguei veemente.

De noite eu estava lá. Escondido no meu carro num canto escuro.

Observei ele abrir sua janela, olhar diretamente na minha direção e sorrir. Tirou a camisa e, se debruçando no parapeito, começou a se masturbar. Enojado, fiz o mesmo.

Agora, todas as noites eu estacionava meu carro no beco atrás de sua casa para
Observa-lo. As vezes ele só desfilava semi nu e as vezes ele parecia me punir, só aparecendo brevemente, sorrindo e fechando a cortina. Outras ele passava parte da noite se masturbando enquanto assistia alguma pornografia. Sempre acompanhado por mim de longe.

Mas nesta noite eu não fui observa-lo. Como um viciado em recuperação finquei meus joelhos no chão e pedi força e clareza enquanto olhava o ponteiro do relógio lentamente se afastar da hora habitual dos nossos encontros doentios.

Pouco depois da meia noite a exaustão mental me dominou e me arrastei até minha cama. Eu tinha vencido aquela batalha.

"Um dia de cada vez."

Minha vitória durou pouco.

Acordei de sobressalto e fiquei deitado de olhos abertos tentando entender o que me acordara. Não lembrava de ter sonhado nada, o que era quase um milagre devido ao estresse e às dúvidas que...

Um barulho alto no andar de baixo me despertou de vez e sai da cama apressado. O mais silenciosamente que pude vesti o meu roupão e olhei as horas: 02:34 da madrugada.

"Por Deus", passei a mão na testa já totalmente acordado. O barulho se repetiu, parecia um som de móveis sendo arrastado. Tive certeza: tinham invadido minha igreja.

Eu morava num cômodo/quarto/escritório pequeno e adaptado no piso acima do púlpito, logo abaixo da torre. Normalmente padres que moravam em anexos da igreja ou nela própria dividiam a moradia com uma governanta ou um secretário, mas devido ao tamanho da minha cidade e, como consequência, o tamanho da igreja, isso não era necessário.

E Martha, minha secretária, não iria dar as caras até, pelo menos, as 5:30 da manhã.

Saí para o corredor escuro e desci as escadas para confrontar o suposto invasor. Invasor burro por sinal, pois não havia o que roubar naquele templo. A única iluminação no átrio vinham das velas artificiais do sacrario, que não deveriam estar acesas. Reparei por alto que uma das janelas laterais estava aberta e me dirigi para a sala iluminada sentindo uma intuição e um nó estranho na garganta ir se formando.

PAI, Afasta de mim este Cálice (conto gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora