Anjo

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JANEIRO DE 1979

Às vezes, Metawin achava que a sua vida era repleta de cores pretas e brancas. Eram cores sem graça em sua percepção. Metawin preferiria que tudo fosse mais colorido — metaforicamente falando. Ter uma vida com cores vivas era sinônimo de viver intensamente, ou sentir a adrenalina correndo na veia em algum momento inédito na vida, o que, definitivamente, não fazia parte da realidade de Metawin.

O garoto estava com dezenove anos. Morava com o pai e com dois irmãos mais velhos. Havia o pai, tão rígido quanto uma pedra. Sendo sincero, Metawin não se lembrava com clareza a última vez que o pai o abraçou ou sorriu em sua direção. Talvez sua personalidade fosse aquela devido à morte da esposa, que morreu dando à luz — especificamente, dando luz ao pequeno Metawin. A culpa não era sua, porém, e aquela ideia absurda não passava pela cabeça do pai. Caso contrário, ele trataria com frieza apenas Metawin, e não todos os três filhos.

Metawin era o mais novo. No meio estava Green, e o primogênito, Type.

De acordo com as leis familiares invisíveis, irmãos deveriam se dar bem. Infelizmente, aquilo não se aplicava à família de Metawin, começando por Green, o filho do meio que adorava puxar o saco do pai. Era irritante. Ele parecia cuidar dos filhos por obrigação, e não por amor. Os pais precisavam cuidar da família por obrigação, mas com amor, especialmente. Metawin não sabia o que se passava na cabeça do pai, e parecia impossível descobrir. A cara estava sempre fechada. Quem sabe fosse culpa do trabalho estressante, ou da falta que fazia uma mulher em casa. Era 1979. Para os homens, naquela época, uma mulher era Deus.

Apesar de tudo, Green, mesmo sem o carinho paterno, fazia questão de chamar a atenção do velho. E de ser um fofoqueiro. E o terceiro olho da casa também. Ele contava tudo ao pai. Absolutamente tudo. Também era bisbilhoteiro. Metawin odiava aquele defeito do irmão, porque já o havia pego em flagrante mexendo em suas coisas, no seu quarto. Gostava de ser sincero também, quando não precisava.

— Convenhamos, Type. — Disse ele quando o irmão anunciou o casamento, um ano atrás. — Você vai se casar porque sua esposa engravidou.

Type sabia lidar com Green. O silêncio era sempre a melhor resposta.

O mais velho, Type, agora estava casado com uma mulher simpática. Metawin a adorava por inúmeros motivos, principalmente por passar o dia trabalhando no hospital — como enfermeira — e deixar, sem peso na consciência, os homens cuidarem da casa. Alguns dias eram melhores do que os outros.

Casado e com uma bebê de um ano e alguns meses, Type ainda vivia na asa do pai. Sua desculpa era:

— Não posso deixar o pai sozinho depois de tudo que aconteceu. — Confessou, quando estava sozinho em casa com os irmãos e a filha dormindo no berço. — Se eu for embora, não volto. E ele ficará magoado comigo pra sempre. Não quero isso.

— Não posso deixar o pai sozinho? — Green repetiu, irônico. — E quanto a mim?

— Você não ouviu o que eu disse? Eu não vou embora.

— E se você fosse? Abandonaria o seu irmão?

Metawin o olhou de relance. Achava Green um idiota. Parecia querer ser sempre o centro das atenções. Em sua cabeça, era o preferido do pai e dos irmãos. Não era o preferido de Metawin.

— Eu vou ficar, Green. — Type falou, impaciente. — Eu, minha esposa, e a bebê.

— Ótimo. Agora vamos ter choro de bebê vinte e quatro horas por dia.

Type se demitiu do trabalho. Seu escritório de advocacia estava vazio, o que era uma pena. Ele era um bom profissional. A mulher ganhava bem, e podia sustentar o marido, a filha, e ajudar na casa, quando achava que era o certo a fazer. Não concordava cem por cento em morar com o sogro e os cunhados.

O Fio do DestinoOnde histórias criam vida. Descubra agora