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—Está na hora de acordar, dorminhoca—brincou Priscila, carinhosamente me fazendo um cafuné.

Zonza, demorou alguns segundos até meu cérebro conseguir processar a situação. Eu estava no meu novo quarto no East Village e, apesar do bairro ter uma atmosfera amigável e intimista, era possível sentir a energia pulsante de Nova York entrando pela janela.

Priscila alugara um apartamento em um prédio bem antigo e, embora ele ficasse próximo a butiques e barzinhos, era bem silencioso. Possuía dois quartos e, como de costume, ela deixava o melhor para mim. Apesar de a minha janela dar para os fundos do edifício e não ter uma vista muito bonita — tudo que via eram as fachadas descascadas dos prédios vizinhos e, forçando o pescoço, um pedaço da rua onde se localizava nossa portaria —, era, no entanto, claro e quentinho. Bem diferente do de Amsterdã.

—Ah, não! —soltei um muxoxo e afundei a cabeça no travesseiro.

—Em pouco tempo você se acostuma com o fuso horário, meu amor.

Priscila estava com ótimo humor e, pensando bem, ela estava assim desde o momento em que colocamos os pés em Nova York.

—Os fusos horários é que precisam se adaptar à nossa vida de ciganas, mãe —alfinetei-a, chateada por ter que passar por aquela via-crúcis novamente.

—Tenho que ir.—Como sempre, ela se esquivou. —Boa sorte no novo colégio.

—Ugh!

Tudo de novo. Novo colégio a ser descartado em breve. Novos colegas cujos rostos seriam rapidamente esquecidos. Meus nervos ainda se ressentiam, mas minha mente já havia se acostumado a apagar os primeiros dias em uma nova turma. Algo perfeitamente normal para quem já havia passado pelo estresse de trocar de escola umas quinze vezes em menos de dez anos.

Rapidamente tomei um banho e me vesti da forma mais despojada possível: calça jeans, tênis All Star, uma camiseta preta básica. A última coisa que eu queria era chamar atenção. Como sempre, discrição era a minha palavra de ordem.

[•••]

Minha mãe me matriculou em uma conceituada escola pública no Upper East Side. O trajeto de casa até o lugar seria mais rápido de ônibus, porém estaria sujeito ao imprevisível trânsito de Nova York. Preferi não correr o risco de me atrasar logo no primeiro dia de aula e decidi pegar o metrô, mesmo que para isso tivesse que percorrer um caminho bem maior. Situando-se em uma rua transversal a uma movimentada avenida, o colégio conseguia a incrível façanha de ser relativamente silencioso dentro de uma turbulenta Manhattan.

Diferentemente das demais escolas  eu havia passado, os tijolinhos marrom-avermelhados da fachada e o sol refletindo nas janelas davam ao prédio um aspecto acolhedor, quase familiar. Caminhando despercebida pelo pátio de entrada, pude observar as rodinhas de alunos que conversavam animadamente e captar as gargalhadas soltas no ar. Por uma razão desconhecida, meu inerte coração se agitou dentro do peito…

—Any Gabrielly?—Fui acordada por uma voz estridente no exato instante em que coloquei os pés na secretaria. Confirmei com a cabeça. —Olá, querida!—saudou a senhora baixa, gordinha e com os cabelos grisalhos arrumados num penteado que não economizava laquê.
—Eu sou a Sra. Nancy, secretária do colégio. Estou a par do seu caso. Venha! Vou lhe mostrar sua turma. Por aqui, querida.

A escola tinha cinco andares bem iluminados, assim como salas de aula espaçosas, dois modernos laboratórios de ciências com bancadas de mármore branco, um colorido estúdio de artes, um ginásio esportivo com um lustroso piso de tábua corrida marrom-claro, além de uma encantadora sala de música com paredes à prova de som. Lotada de fotos, desenhos e partituras fixadas ao quadro-negro, um piano de cauda em tom marfim era a estrela principal dentre os demais instrumentos expostos.

NÃO PARE! {Noany} [1]Onde histórias criam vida. Descubra agora