Acordei com um misto de alegria e excitação. O dia não estava claro. Apesar da época, ventos frios
começaram a invadir de forma violenta a ilha de Manhattan. Bati uma vitamina de banana com aveia,
coloquei um casaco e, de tão ansiosa, resolvi descer os encardidos degraus da escada do meu prédio de dois em dois, deixando o lerdo elevador para trás.Como estava bem adiantada, optei por saltar do metrô duas estações antes e fazer o restante do caminho para a escola a pé. Liguei meu iPod e, eufórica, deixei-me levar pelo Dark Side of the Moon do meu adorado Pink Floyd. A felicidade transbordava em meu peito e eu estava impaciente.
Pela primeira vez em muitos anos eu conseguia visualizar pinceladas de cores na tela desbotada da minha vida. Queria ver as pessoas com pressa, ouvir muitas buzinas, gritar de alegria. Aguardei o sinal fechar para atravessar a avenida supermovimentada próxima ao colégio. O sinal ficou vermelho para os carros, e uma grande multidão, assim como um frenético formigueiro, caminhou a passos
largos de um lado para o outro, em seu desanimado e repetitivo percurso diário. Para elas, mas não para mim, pois meu estado de êxtase era entorpecente.Comecei a atravessar a grande avenida, quando subitamente senti uma descarga elétrica contrair todos os músculos do meu corpo, e aquele estranho calafrio atravessar sem piedade cada camada de tecido, cada estrutura do meu organismo.
Ah, não! De novo, não!
Meu oxigênio se fora e eu perdi o foco. Petrificada, perdi também a compreensão do que acontecia
à minha volta. Senti minhas pernas fraquejarem e meus joelhos ameaçaram se dobrar, como se alguém os acertasse por trás. Eu ia tombar. Mas eu não podia ceder. Tinha que aguentar.—Oh, meu Deus!
A vários metros de distância, um desfocado pisca-pisca alertava-me para o escasso tempo disponível. Teria que correr! Mas como? Caminhar já era uma tarefa árdua, quase impossível. Sentia-me presa ao chão enquanto observava, agoniada, as pessoas passando aceleradas por mim até não restar mais ninguém. Apenas eu. Deus! Será que ninguém vai me ajudar?
A outra calçada insinuava-se
distante, quase inatingível. Eu não conseguiria alcançá-la a tempo. O horror se agigantou em meu cérebro. Naquela fração de segundo, recordei-me do andaime assassino e da sorte que vivenciei na véspera. Mas a sorte não costuma bater duas vezes na mesma porta, muito menos em dias seguidos. E o azar? Seria ele capaz de fazer um percurso bem distinto de sua antagonista? Não havia tempo
para pensar em mais nada. Eu precisava sair dali e tinha que ser naquele instante.Ordenei meu cérebro a controlar aquela estranha dor, a dar o comando para que meu corpo impotente e atordoado reagisse. E, em meio às terríveis descargas elétricas, consegui utilizar forças que jamais imaginei possuir. Com muita dificuldade, ordenei minhas pernas a caminharem até o meio-fio que a cada piscar de olhos parecia estar ainda mais distante. Lentamente, muito lentamente, fui me aproximando dele e, justo quando uma pontada de alívio começou a brotar em meu peito, tornei a me desequilibrar. Ou fui “desequilibrada”? Na verdade tive a sensação de que havia sido empurrada de volta para a movimentada via.
Céus! O que é que está acontecendo comigo?
O sinal verde anunciava a largada da enlouquecida manada de veículos e, quando me dei conta, um ônibus crescia rápido e impiedoso em meu campo de visão, sua buzina desligando à força todos os demais sons ao meu redor. Em estado de torpor eu cambaleava e, num salto inesperado, desequilibrei-me
novamente — minha impressão é que havia sido puxada violentamente pela mochila —, só que agora para o lado certo, ou seja, para a calçada.Caída de joelhos e sem entender o que havia acabado de acontecer, senti apenas o vento quente e a fumaça asfixiante do ônibus que passara a centímetros de mim, fazendo o chão e meu corpo tremerem em conjunto. Levantei a cabeça à procura de alguma explicação e, à exceção da minha visão pra lá de turva, não havia nada de anormal ao meu redor. Respirei fundo, forcei o equilíbrio e, pegando-me de surpresa, senti uma mão sustentando meu ombro e me ajudando a levantar.
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NÃO PARE! {Noany} [1]
Mystery / ThrillerUma vida normal e tranquila seria tudo que uma adolescente odiaria ter, certo? Não para Any! Por que tinha que viver como uma nômade (ou fugitiva!), mudando de cidade ou país a cada piscar de olhos? Por que não podia saber nada sobre o paradeiro de...