I: Os irmãos Kim

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Quando éramos crianças, em Daegu, mamãe costumava nos comprar os mesmos modelos de roupas, jamais perdia uma promoção, e nos matricular nos mesmos cursos, como se a semelhança genética já não fosse o suficiente. Além disso, tivemos exatamente a mesma criação, as mesmas restrições e um único quarto para nós dois, o mesmo tom de verde nas paredes.

No entanto, nada disso moldou nossas personalidades de fato.

Aos doze, o lado de Jennie era cercado por fotos dela e suas amigas, pinturas em aquarela e esculturas. Aos quinze, eram pôsteres de bandas punk e um baixo elétrico. Aos dezessete, depois que nossa mãe se casou e mudamos, fomos separados por um corredor.

Já o meu quarto sempre foi o mesmo, com alguns livros a mais nas prateleiras, canetas e esboços espalhados pela cama. Comecei a pensar que talvez meu único traço de personalidade fosse ler. Não que seja um hábito sobremodo frequente, mas é interessante se instruir sobre uma realidade distinta, refletir sobre a vida e as restrições do sistema. O que efetivamente estimulou minha imaginação e interpretação de texto.

Acredito que, por esse motivo, sou reconhecido por o Kim inteligente e bem articulado, de conhecimento amplo e boa pronúncia — o que, francamente, discordo, não sei absolutamente nada em relação às experiências básicas da juventude. Prefiro, sem dúvida, estar camuflado nas cobertas numa sexta à noite, em vez de sair, como minha irmã, o oposto de mim, a Kim ousada e sociável.

Nossas diferenças não são algo que me incomoda, pelo contrário, nos completa. Como quando na sexta série, um valentão me seguia após a aula, roubava meu almoço e rabiscava meus livros. Sempre fui tão estúpido, guardei tudo para mim mesmo. O fato é que Jennie descobriu e chutou as bolas dele, antes que alguém pudesse fazer algo a respeito. Sem nem pensar duas vezes. E naquele momento, eu a amei. Suas seguintes palavras foram: Só eu posso provocar o Tae.

Considerei fazer o mesmo. A partir daquele dia, odiei todos que a julgavam ser incoveniente por não ter o jeito doce que meninas supostamente deveriam ter. Afinal, Tae era assim. Eu era o menino doce. Logo, posso dizer com especialidade no assunto, ser doce é uma merda.

Todavia, é mais fácil gostar de Jennie do que de seu irmão. Assim como é mais fácil odiar também. Ela é transparente, nunca esconde o que sente. Tenho inveja dela, sempre soube quem era. Isso me intriga. Eu ao menos sei quem sou, não posso exigir que me entendam.

E certamente, ser novato não contribui, especialmente no último ano do colégio. Mas tipo, cara? Quem se transfere no último ano, sendo o mais importante? A graduação não é festiva, as amizades já são concretas, os grupos de trabalho, as piadas internas.

Entristeci ao ver Jennie tão sutilmente se encaixar com a turma alternativa, não vou negar. Eu ainda me sentia um intruso.

Ergui o olhar sobre o celular, pés para cima, cobertos por meias, deitado no sofá da sala, concluindo que Jennie argumentava sobre algo. Suas sobrancelhas franzem e a maneira como seus pés atingem o chão, entrega. E mamãe não irá ceder tão cedo, enquanto sua boca se comprime e os braços se cruzam. Curioso, tento ler seus lábios, mas sem esforço, estou muito entretido com The 1975 em meus fones de ouvido.

Ela havia comentado sobre um evento na próxima semana. Ou dinheiro para pegar uma carona. Ou ambos, não consegui acompanhar.

— De jeito nenhum. Uma festa na piscina? Onde já se viu isso? — questiona a mais velha, como quem não acredita no que acabara de ouvir.

Um festa, sim! Eu deveria ter suspeitado que era sobre isso.

— Mãe, não tem nada demais. É o aniversário do Jimin, eu tenho que ir.

Deixo o nome me invadir, já que a princípio soa familiar, eu a ouço dizer muito. Eu ouço pelos corredores. Pela sala de aula. Cinco letras realmente viciantes e fáceis de lembrar.

Nenhuma dessas menções mostrou quem ele realmente era, no entanto. E, como um observador calculista, tenho que dizer: a repetição de quão relevante alguém é o torna banal e arriscado. As pessoas deduzem um caráter, constroem uma personalidade com base em suposições e evidências incompletas. Nesse sentido, é ainda melhor que eles não tenham idéia de quem eu sou. Ninguém tira conclusões. Se tentassem, ficariam perdidos com tantas atitudes inconsistentes e com minha busca interminável por autoconhecimento.

Sendo assim, isso é tudo o que tenho dele. Um nome. O amigo de Jennie.

— Eu não gosto dessa ideia. Só haverá garotos lá!

Não parece tão ruim.

— Que culpa eu tenho por ter mais amigos do que amigas? Apesar disso, vão ter garotas também, tenho certeza. Você só não confia em mim.

— Eu confio em você, mas não confio neles. Não me sinto confortável em te deixar ir sozinha, não sei nem quem são esses rapazes.

Tento ser imparcial em situações como essa, mas sei que mamãe está relativamente certa. Meninos ainda são meninos. E ver Jen implorar por algo é engraçado. Criança birrenta.

— Bem, eu deixaria você ir, mas Tae terá que te acompanhar, para garantir que você fique segura.

Eu ri, mas de verdade. Jennie sabe como cuidar de si mesma e eu sei que ela não precisa da minha proteção, o contrário, inclusive, faria mais sentido, diante disso, não entendi essa linha de raciocínio. Muito menos ela, ao trocarmos olhares perplexos.

— Sério, mãe? — respondeu, parecia ofendida. — Olha só para o Tae, ele nunca foi a uma festa.

— E nem quero — fiz questão de deixar claro.

— Essa é minha condição. Decidam-se!

...

foi apenas para iniciar a história, então não desistam de mim ainda!

Seventeen | VminOnde histórias criam vida. Descubra agora