7 - Aniversário do Hugo

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— Cadê esse moleque com esse bolo, Hugo?

Ergui o rosto para meu avô Cosme. Seu corpo estava esparramado na cadeira de madeira perto da mesa forrada com TNT preta e cheia de doces e salgados já gelados. Não precisava ser um gênio para ver que ele andava os comendo escondido da minha mãe. Eu nem o culpava. Na verdade, ele era a única pessoa que não tinha me abandonado na sala para ficar tagarelando na cozinha.

— Não sei. — Forcei um sorriso. Seus olhos pequenos se arregalaram sob as sobrancelhas peludas.

A voz dele se misturou com alguém estourando um balão na cozinha:

— Ele não vem, não, é? — Pegou outro brigadeiro e o enfiou na boca. — Encontra esse merda logo, tô querendo comer!

Kauane apareceu ali de supetão. Soltou um gritinho de surpresa e levou as mãos até a boca:

— Você falou palavrão de novo, vô! Vou contar pra vó!

— Deixa de ser feia, menina — ele disse, a voz áspera. Pegou mais um brigadeiro e estendeu pra ela: — Toma aqui. E vê se fica quieta!

Kauane fez o que devia ser a sua melhor careta de brava, pegou o brigadeiro da mão dele e saiu dali batendo o pé, as marias-chiquinhas pulando na cabeça.

Respirei fundo e levantei do sofá já moldado com o formato da minha bunda. Da janela, a luz do dia desaparecia rapidamente, deixando o céu com uma cor de hematoma. O relógio de parede marcava 18:32.

Era pra Costas ter aparecido há mais de duas horas. Apanhei um bocado de beijinhos da mesa e os enfiei na boca, puxando meu celular do bolso e tentando manter a respiração calma. Mandei mais uma mensagem só por mandar, já que as últimas ele sequer recebeu.

Encostei o celular na orelha e andei para a cozinha. Um caos. Minha mãe num canto folheando uma revista com minhas tias. Meu pai tentando sem empolgação fazer um cachorro com uma bexiga enquanto meus primos assistiam exasperados. Minhas avós conversando sobre algo enquanto esfregavam o fogão pela terceira vez naquele dia. Meu outro avô Adalberto estava com meu tio e meu irmão conversando sobre algo enquanto comia um cacho de uvas.

Mesmo fingindo estar muito ocupado com meu telefone, é claro que eles não deixaram de me espancar com as perguntas. Minha mãe foi a primeira:

— E aí, meu filho? Costas não vem?

— Costas? Que diabo é isso? — Vó Mirtes perguntou. Era tão magra que eu não sabia como conseguia ficar de pé.

— Nome do namorado dele — meu irmão se prontificou a dizer.

Eu quis morrer. Heitor sempre sabia exatamente o que fazer para piorar o que já estava ruim.

Vô Adalberto foi o primeiro a gritar:

— Namorado? Que história é essa?

Apertei mais meu telefone contra o rosto. Tuuu… Tuuu… Tuuuuuuuuu…….

— Dá licença, por favor — Pedi para Juca, que estava martelando seu caminhão de plástico contra o azulejo sem parar. Ele o bateu em minha perna antes de meu pai o puxar para fora do caminho. Avancei mais até a janela, onde o sinal costumava ser melhor.

— Como assim, namorado, Paula? — Vó Lourdes repetiu, perplexa. — Que palhaçada é essa?

— O namorado dele, ué. — Minha mãe deu de ombros. Olhou nervosa para meu pai, subitamente interessado em encher a bexiga.

— Tá dizendo que meu neto tá namorando um marmanjo? É isso, Marcelo? — Meu avô endireitou sua postura, olhando pra meu pai. — Que que vocês fizeram com o moleque?

Mas que lugar maravilhoso para se morrer (um conto)Onde histórias criam vida. Descubra agora