ALUCINAÇÃO

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Laura estava simplesmente fula da vida. Discutiu com o marido, pegou um engarrafamento, atrasou para aula do filho, foi aparentemente assediada pelo faxineiro do prédio e levou uma dura do chefe. O dia só poderia ficar pior-pensou ela­- se caísse lava do céu. Por sorte (ou azar) não caiu. Mas bateu.

Bateu muito forte, o tipo de batida que desmembra, arde, corta e machuca um bocado. Laura nem se quer viu de onde veio, não teve tempo, com seu corola a 80 por hora e seu estresse a 140, apenas conseguiu distinguir uma pequena luz vermelha e redonda no sinal. É, com certeza era vermelha... BUMM!

Laura levantou com um leve incomodo na nuca e uma fraca dor de cabeça, como se um Pêndulo de Newton tivesse se alojado no seu crânio. O seu entorno era uma imensidão branca, tão branca que seus olhos pareciam calcificar, de resto era um completo nada, total silêncio. Uma brisa fresca veio do noroeste (seja lá aonde raios era o noroeste ali) e a mulher juntou os braços e começou a andar, o cabelo cacheado batendo na cara. De repente ela congelou, esfregou os olhos por uns minutos tentando decifrar se aquilo que vinha em sua direção era real ou fruto das doses extras de Ativan. Pois ao longe surgiu um elefante, não qualquer um, um magnifico elefante roxo e montado em seu lombo uma criaturinha preta de olhos amarelos e sem boca. O elefante se aproximou da mulher estática e com cara de boba e parou, emitindo aquele típico som que todos os seus parentes não roxos fazem.

– Ola –disse a criaturinha, como qualquer aposentado diria à ela em uma fila de banco numa situação normal– Você deve ser a Paula, acertei?

– N...Não –Ela tentava entender como ele falava sem uma boca– Laura, meu nome é Laura.

– Putz, eu sempre erro acredita. E olha que eu tenho um conhecimento infinito hahaha- silêncio total de novo.

A criaturinha fez um movimento com os olhos amarelos, como se estivesse os revirando.

– Enfim, sobe ai que o dia hoje tá cheio e sabe como é, pessoas morrem o tempo inteiro.

Laura não queria subir em qualquer lugar, muito menos ir, ela estava com frio, confusa e queria respostas e a primeira coisa que à espantou foi a palavra "morrem".

– Pera aí –flashes correram por sua mente, de um carro, um caminhão e vidro quebrado no asfalto– Eu morri? Aquele caminhão bateu em mim, você é a morte ou algo assim?

– É, você morreu- O elefante fez barulho –é um bom resumo. Mas não diria que sou essa tal de morte, tô mais pra um "transportador".

Laura piscou, a sensação era a de um sonho, nada daquilo parecia de fato estar acontecendo, pelo jeito o Ativan foi demais mesmo ou ela estava alucinando em coma, depois de ser esmagada na rua.

– Estou alucinando, é isso –concluiu dando uma risada, quase histérica.

– Pois é, isso se chama viver, ou morrer nesse caso. Agora sobe ai minha filha- Num instante foi teleportada para o lombo do elefante, logo atrás da criaturinha e percebeu que não tinha mais jeito, ela era uma mulher amargurada, cansada, frustrada profissionalmente e teve um dia de merda. Nada mas lhe restava a não ser abraçar a sua total falta de controle sobre sua vida e seguir viajem com aquela criatura de voz áspera e seu bicho colorido – Cuidado com náuseas e vertigens, essa parte é difícil de assimilar.

Assim que terminou de falar, o Elefante disparou com um barulho profundo. A tela branca em volta se distorceu completamente em um lugar escuro, um vácuo total e infinito, de repente uma explosão, luz foi jogada pra todo lado, uma enorme caleidoscópio colorido dançou ao seu redor e se dividiu em minúsculos pontos cintilantes que se agregaram e se misturaram feito grãos de areia e pérolas formando enormes amontoados em espiral. O cenário se dissolveu mais uma vez, as espirais se transformaram em massas sólidas que se chocavam sem parar até se tornarem gigantescas bolas de magma. Laura viu as bolas esfriarem, até começar um balé continuo em torno de uma imensa esfera de luz. Uma das bolas em certo período ficou esverdeada, e mais para frente azulada. Finalmente ela se deu conta que o que via, era nada mais que o nascimento do seu sistema solar e da terra. E então ela vomitou...

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